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Cruéis, descamisados e pés de chinelo


Por Fernando Molica em 02 de dezembro de 2010 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca de 01/12, jornal “O Dia”

As imagens da fuga dos traficantes da Vila Cruzeiro continuam a revelar muito sobre nossa sociedade e nossos bandidos. Estes, de um modo geral, são capazes de cometer as maiores atrocidades — temo ser vítima de qualquer um deles. Mas eles também são descamisados, usam chinelos até para correr da polícia. Apesar das armas caras e sofisticadas, não deixam de ser pobres.

O conforto de alguns chefes do tráfico apenas reforça o que foi dito acima. Os caras têm – tinham, no caso do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro – piscina, hidromassagem, bons eletrodomésticos. Mas, procurados, perseguidos pela polícia e por bandidos rivais, não podem/podiam sair da favela: a suíte de motel precisava ser reproduzida em suas casas cercadas de pobreza por todos os lados.

Os bandidos têm que ser presos, julgados e condenados. Mas vale a pena também discutir a possibilidade de uma anistia para os mais jovens e para aqueles que não tenham cometido crimes graves. Ex-secretário de Assistência Social do Rio, Marcelo Garcia sugere uma anistia acompanhada, em que os beneficiados seriam monitorados por um determinado período. Pode ser um caminho de reintegração.

Mas não dá para jogar tudo na repressão, polícia só chega quando todas as outras alternativas deram errado. Em qualquer lugar, algumas pessoas — pobres e ricas — optam pelo crime. Mas a adesão de tantos jovens à vida bandida reforça que há algo errado na sociedade. No nosso caso, não dá para fugir de questões como desigualdade e falta de oportunidades para todos.

As más condições de vida em favelas não condenam ninguém à marginalidade, mas reforçam sentimentos de injustiça, exclusão e revolta. Alguns não resistem e acabam seduzidos pelo tráfico. É obrigação do Estado evitar que isto ocorra, deve oferecer possibilidades reais de conquistas dentro da legalidade. Crianças pobres e ricas têm sonhos parecidos e igualmente legítimos.

É curioso que, após décadas de passividade, os governos, assustados com a expansão do crime, tenham decidido fazer investimentos pesados em favelas; precisaram ser acordados pelo barulho dos tiros dos marginais. Mas ainda há muito que ser feito. Ao se transformarem em bandidos, aqueles jovens destruíram muitas vidas, mas, sem querer, apontaram também suas armas para o nosso sossego

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