Deixem que berrem
Por Fernando Molica em 26 de novembro de 2019 | Comentários (0)
“Os esperançosos e revoltados que esperneiem, que berrem, que profetizem a não realização da Copa, que façam todo o alarde possível. Pelo visto, ainda têm expectativas de mudanças, não os invejo, azar o deles. (…) Diante do desespero, dos planos de fuga, das atualizações de saldos bancários na Suíça e naquelas ilhotas de nomes esquisitos, você exigirá tranquilidade, saberá fazer valer cada ruga acumulada no rosto e imobilizada por sucessivas e mensais injeções de botox. (…) Deixem que esses putos berrem, se esgoelem. Deixem que quebrem, joguem pedras, queimem, que pensem que venceram, que mudaram, que trocaram. Deixem que subam a rampa, que discursem. Todos terão que vir à Casa, serão obrigados a limpar os pés, aprenderão a usar talheres, a escolher vinhos. Se orgulharão do uso dos diferentes garfos e facas, nos agradecerão a gentileza de recebê-los, adorarão os vinhos vagabundos de rótulo francês, rebotalho do rebotalho, que beberão estalando a língua no palato. Sei que será assim porque foi assim comigo. (…) E o babaca aqui lambia suas palavras, chupava seus argumentos, gozava com as suas conclusões. Eu aprendi com você, me lambuzei de você, eu virei você. Acabei retirado do meu trabalho, da minha rua, fui esvaziado, desidratado. Você fez comigo o que, em breve, vocês farão com esses milhões que se abraçam nas ruas.”
Trechos do romance ‘Uma selfie com Lenin’, que lancei em 2016, pela Record.