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Dunga, o Libertador


Por Fernando Molica em 12 de junho de 2010 | Comentários (2)

Tenho que fazer um agradecimento público ao Dunga. Acompanho copas do mundo desde 1970 e esta é a primeira vez que não estou nervoso, ansioso pela estreia da seleção brasileira. O mau humor do Dunga, sua teimosia, seu amargor, sua tentativa de se apropriar de algo que pertence a todos nós e seus apelos patrióticos minaram o meu espírito de torcedor.

O Dunga e o Jorginho resolveram que o eventual sucesso do time será deles; o improvável fracasso, nosso. De todos nós – e não falo especificamente dos jornalistas – que ousamos criticar a não convocação do Ganso, a ida do Kléberson, a formação de um esquadrão de cabeças de áreas. Cismou que todos somos defensores da bagunça, da falta de compromisso, da zona que foi a temporada pré-Copa de 2006. Dunga e Jorginho – ex-jogadores de sucesso, reconhecidos e admirados pela grande maioria dos que gostam de futebol – cultuam a amargura, vão à Copa movidos não pelo desejo de vitória, mas pelo entusiasmo da vingança. Vale lembrar que, em 1994, o hoje técnico e então capitão da seleção, disparou palavrões ao levantar o troféu em Los Angeles. Na hora da grande conquista, Dunga não celebrou a felicidade, preferiu lembrar-se de antigos críticos.

A escolha de Dunga para técnico foi vista até com um certo entusiasmo. As primeiras partidas da seleção foram ruins, sua demissão foi dada como certa. Mas, depois, o time se acertou, conquistou torneios importantes, a situação se acalmou – e o Dunga até abriu mão daquelas roupas esquisitas. Ou seja, tudo caminhava para uma relativa paz. Só que o sujeito não admite críticas: herdeiro de uma tradição autoritária tão comum aos brasileiros, Dunga – aquele que não se acha capaz de condenar ditaduras e o apartheid porque não viveu nas duas situações – acha que técnico de seleção brasileira não pode ser criticado. Acha que ele é o cara, o dono de todas as verdades, senhor de todos os destinos. Vê a crítica como ofensa pessoal.

Resultado: estou vendo jogos sem o menor compromisso, torço pelo bom futebol, vibrei com a atuação do Messi, lamentei gols perdidos pela Argentina e pela Nigéria. Torço pelo sucesso do Loco Abreu, descobri semelhanças entre o Uruguai e o Botafogo (ambos já foram potências, andam meio decadentes, são respeitados e, ao mesmo tempo, estão um tanto quanto desacreditados). Estou ao lado dos times africanos – me emocionei com a alegria dos jogadores da África do Sul no túnel que dá acesso ao gramado, reconheci nossos desfiles de blocos naquele cortejo. Hoje cedo, aplaudi o Elia, o Robinho da Holanda. Graças ao mau humor do Dunga, estou livre para torcer, para fazer alianças passageiras.

Claro que será legal se o Brasil conquistar o título, mas não vou entrar no jogo proposto pelo Dunga. Ao contrário do que ele pode imaginar (se soubesse que eu existo, claro), não me sentirei vitorioso com sua derrota. A seleção representa, historicamente, o que temos de melhor, é resultado de nossa história, da conjugação de nossos talentos, da miscigenação, da mistura de culturas – povos mais lúdicos e outros mais ligados à eficiência se juntaram e criaram este futebol que tanto admiramos. A seleção é muito maior que o Dunga, maior que todos nós. Se ganhar será por seus talentos, não pela opressão de seu, vá lá, comandante.

Mas não pretendo sofrer como em 82 e em 86; me irritar como em 74, 78 e 2006, ficar deprimido como em 90 e em 98. Não creio que venha a vibrar como em 70, 94 e 2002. Pode ser que isso mude, a seleção pode até me seduzir, me conquistar. Mas a minha seleção não será nunca a proposta pelo Dunga. Não falo do time, mas da concepção de seleção. A ideia de transformá-la como encarnação de uma pátria é opressora, marcial. A própria noção de Pátria – assim, com maiúscula – é complicada, dá margem a propostas de exclusão, de separação, de preconceito. A Copa não é uma guerra, o destino da Nação e das criancinhas brasileiras não está em jogo. Guardarei meus excessos de torcedor para o Botafogo. Espero que o Kaká e o Robinho injetem um pouco de alegria nos jogos e, repito, deixo registrado ao agradecimento ao Dunga – estou mais lúcido nesta Copa do que nas anteriores.

Por último: sei não, mas acho que esse negócio de confinar os jogadores ainda vai dar problema. Imagine ficar preso num hotel com uns 20 marmanjos, dividindo quarto, olhando para todos eles na hora de trabalhar, de almoçar, de jantar. Até onde sei, os jogadores sequer podem ficar algum tempo com suas mulheres ou namoradas. Estão presos, isolados. Viraram personagens de um Big Brother sem câmera e sem aquelas gostosonas. Isso, em meio a uma competição pesada, estressante. Será uma surpresa se eles não saírem na porrada entre si. Veremos.

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Comentários
15 de junho de 2010

Obrigado, meu caro. Abração.

Fernando Molica
15 de junho de 2010

Este texto - ao lado do que escreveu recentemente o Sergio Augusto no Estadão - é o que de mais lúcido li sobre a seleção do Dunga e a nossa torcida.

Marcelo Moutinho