É Gil!
Por Fernando Molica em 05 de agosto de 2008 | Comentários (1)
Há algum tempo que vinha achando a carreira de Gilberto Gil vinha meio assim-assim. A impressão era de que ele vinha tocando a bola pro lado, cadenciando o jogo, esperando o tempo passar. Talvez o longo tempo à frente do Ministério da Cultura tenha colaborado para um período pouco criativo, talvez a inspiração estivesse secando com a idade – a voz a cada dia mais rouca reforçava um pouco esta idéia de cansaço/envelhecimento.
Mas ontem assisti ao novo show do ex-ministro, feito na entrega dos prêmios Tudo de Bom, uma promoção de “O Dia”. No início foi meio esquisito, parecia haver um certo descompasso entre Gil e a platéia, entre Gil e ele mesmo. A animação que ele demonstrava no palco parecia meio solta, descolada, um pouco fora de contexto.
Mas eis que o velho e ótimo Gil renasceu numa canção nova, belíssima, “Não tenho medo da morte”. Olha só este pedacinho da letra:
não tenho medo da morte
mas medo de morrer, sim
a morte é depois de mim
mas quem vai morrer sou eu
o derradeiro ato meu
e eu terei de estar presente
assim como um presidente
dando posse ao sucessor
terei que morrer vivendo
sabendo que já me vou
A letra completa vai abaixo, a gravação pode ser ouvida no canto do site de Gil dedicado ao novo CD, “Banda larga cordel”. Só para lembrar: o Gil é, entre nossos compositores, o que melhor trata da morte. É só lembrar de “Então vale a pena” (“Se a morte faz parte da vida/ E se vale a pena viver/ Então morrer vale a pena/ Se a gente teve o tempo para crescer”).
Não tenho medo da morte
música e letra: Gilberto Gil
não tenho medo da morte
mas sim medo de morrer
qual seria a diferença
você há de perguntar
é que a morte já é depois
que eu deixar de respirar
morrer ainda é aqui
na vida, no sol, no ar
ainda pode haver dor
ou vontade de mijar
a morte já é depois
já não haverá ninguém
como eu aqui agora
pensando sobre o além
já não haverá o além
o além já será então
não terei pé nem cabeça
nem figado, nem pulmão
como poderei ter medo
se não terei coração?
não tenho medo da morte
mas medo de morrer, sim
a morte é depois de mim
mas quem vai morrer sou eu
o derradeiro ato meu
e eu terei de estar presente
assim como um presidente
dando posse ao sucessor
terei que morrer vivendo
sabendo que já me vou
então nesse instante sim
sofrerei quem sabe um choque
um piripaque, ou um baque
um calafrio ou um toque
coisas naturais da vida
como comer, caminhar
morrer de morte matada
morrer de morte morrida
quem sabe eu sinta saudade
como em qualquer despedida.
Boa letra, de fato, Zezinho...
Marcelo