WWW.FERNANDOMOLICA.COM.BR

Blog

PONTOS DE PARTIDA, O BLOG DO MOLICA

É preciso baixar a bola


Por Fernando Molica em 19 de março de 2016 | Comentários (0)

Um juiz, como qualquer cidadão, tem todo o direito de detestar o PT, o Lula e a Dilma – há muitos motivos para não se gostar deles. Mas é absurdo que um magistrado que divulga publicamente seu ódio aos petistas não tenha se declarado suspeito, incapaz, portanto, de analisar o pedido de liminar que sustou a posse do Lula. Isto demonstra a gravidade da situação que estamos vivendo.

O pega-mata-come que vem de Curitiba e as decisões facilmente previsíveis do juiz Moro acabaram criando uma espécie de efeito-cascata capaz de gerar situações como a do seu colega de Brasília. Juiz não pode ter lado, tem que ser imparcial, ouvir a acusação e a defesa e, então, decidir – eu, por exemplo, jamais poderia apitar um jogo do Botafogo ou julgar um desfile da Mangueira.

Ao nota divulgada domingo pelo Moro foi mais que um gesto de agradecimento, foi um termo de compromisso, um ‘tamu junto’, um ‘é nóis’. Ali, ele assumiu um lado, o lado dos milhões de brasileiros que exerceram seu direito de protestar contra o governo e reivindicar o impeachment. E juiz, repito, não pode ter lado.

O que está em jogo – insisto, repito – não é o PT, o Lula e a Dilma, eles que tratem de se defender. O que está em jogo é o futuro de todos nós. O que ocorre agora contra os petistas pode, amanhã, se virar contra o PSDB ou contra qualquer um, qualquer cidadão suspeito ou acusado de cometer um crime. A nomeação do Lula foi também para blindá-lo? É claro que foi. Da mesma forma que, em 2002, oito dias antes do fim do seu mandato, FHC tratou de se blindar – e assinou lei que garantia foro privilegiado para ex-autoridades. Se o STF, três anos depois, não decretasse a inconstitucionalidade da lei, FHC, como ex-presidente, só poderia ser julgado pelo próprio STF. E ninguém foi pra rua protestar.

É preciso baixar a bola desse país. Na minha adulta, nunca vivenciei um momento tão tenso e tão delicado. Nem na transição da ditadura para a democracia, nem quando a direita terrorista explodia bancas de jornais, nem nas Diretas Já, nem na posse do Sarney, nem na disputa Collor-Lula, nem no impeachment do Caçador de Marajás. Não é possível que políticos sérios e experientes da oposição, pessoas que lutaram contra a ditadura, não vejam o risco que estamos correndo, não dá pra apostar no conflito, na emoção, no confronto. E boa parte da oposição, desde a derrota de 2014, só faz apostar no confronto, no acirramento das paixões.

Há pouco tempo tivemos o caso Mensalão, petistas e aliados foram para a cadeia, a atuação do relator Joaquim Barbosa foi criticada por muita gente, mas não houve nada parecido como o que há agora, esse desespero que estamos vivendo agora. A TV acabou de mostrar manifestos de juízes em solidariedade ao Moro – os atos pareciam reuniões de torcida organizada, havia gritos, palavras de ordem. No fim de semana passada houve manifestos de promotores/procuradores contra e favor do rumo tomado pela Lava Jato. Defensores públicos também protestaram contra excessos em procedimentos. Caramba, é isso mesmo? Vamos ter que nos acostumar com esse clima de guerra, de disputa, de divisões entre aqueles encarregados de administrar a Justiça?

A independência do Poder Judiciário não pode ser confundida com soberania. Juízes não são ditadores, o Judiciário não está acima de nenhum poder, nem poderia – afinal de contas, é o único que não é eleito, seus membros não têm a legitimidade do voto (nos EUA há eleições para juízes e promotores de primeira instância). Juízes e procuradores/promotores não podem se achar superiores apenas porque passaram em concursos públicos. Eles também não estão acima da lei.

Não podemos deixar que isso tudo vire briga de torcida. Democracia pressupõe convivência com o contrário. Na sociedade, torcedores do Botafogo têm que ficar ao lado dos que torcem pelo Flamengo, Vasco e Fluminense. O país não é o Maracanã ou o Itaquerão, não dá pra esperar que apareça um cadáver – do jeito que estamos indo, um cadáver não vai demorar para aparecer. É preciso baixar a bola antes que seja tarde demais.

DEIXE SEU COMENTÁRIO

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *