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Eles não são haitianos


Por Fernando Molica em 11 de janeiro de 2012 | Comentários (2)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 11/01:

País formado pela imigração — forçada ou voluntária –, o Brasil, nos anos 80 do século 20, virou exportador de gente. No fim de 2011, o governo estimou em 3 milhões o número de brasileiros que morava em outros países, pessoas que foram em busca de uma vida melhor. Um dos centros de emissão de brasucas, a cidade mineira de Governador Valadares chegou a ser conhecida como ‘Valadólares’, tamanha a dependência do dinheiro enviado dos Estados Unidos.

Lá pelos anos 90 começamos a, constrangidos, ver na TV e ler nos jornais casos de patrícios barrados em fronteiras; trabalhadores que eram caçados, humilhados, presos, despachados de volta para o Brasil. As histórias vividas por brasileiros — o José, a Maria, o Carlos, a Cristina — eram de cortar o coração. Alguns tiveram fim trágico, como o mineiro Jean, assassinado pela polícia britânica. A nova ordem mundial era clara: apenas o capital poderia circular livremente.

Os tempos mudaram e, apesar de suas indecentes desigualdades, o Brasil cresceu: na sexta economia do mundo há falta de engenheiros e de mão de obra para a construção civil. A boa notícia circulou e, agora, somos surpreendidos pela chegada de haitianos ao Acre, gente que — a exemplo de nossos avós ou bisavós ou como os vizinhos ou parentes que partiram há alguns anos — está em busca de trabalho. Os governos têm ajudado os imigrantes, mas já dá pra ouvir o coro dos que querem o fechamento das fronteiras.

Não é simples acolher tantas pessoas, mas pior seria não recebê-las. Há até um viés racista na reação negativa aos imigrantes: muitos seriam mais receptivos se os haitianos tivessem cabelos louros. Em 1929, um importante jornal brasileiro subiu nas tamancas diante da chegada de negros americanos ao Pará, todos trazidos pela Ford. O matutino ressalvou não ter “preconceito de cor”, mas afirmou: “Não é desejável a contribuição dos pretos americanos para o caldeamento de raças no Brasil.” Segundo o editorial, “um contingente preto”, naquele momento, seria “mais nocivo do que útil à obra de civilização que estamos empenhados”. O Brasil e suas elites mudaram, mas não duvido se, pelos cantos, muita gente não estiver resmungando palavras parecidas.

Quem está chegando não são haitianos, são apenas pessoas como nós, que tentam uma vida melhor. Têm nomes, pais, filhos, histórias e sonhos. Não são eles — são o Jean, a Marie, o Charles e a Christine. Que sejam felizes por aqui.

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Comentários
18 de janeiro de 2012

Obrigado, Helion. Desculpe a demora na publicação do comentário - é que nem sempre o hotmail me alerta sobre a chegada de mensagens. Darei uma olhada na página. abs.

Fernando Molica
11 de janeiro de 2012

Caro Fernando, obrigado pelo artigo e parabéns pela posiçao lúcida e solidaria quanto a esses imigrantes. Seu texto, e outros, estarão sendo divulgados na lista do NIEM, Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios, que coordeno. Publicamos diariamente informação, pesquisa e opinião sobre o tema da migração no Brasil e no mundo. Caso queira conhecer nossa página (arquivo de mensagens) ou mesmo se associar para recebe-las, ver em http://br.groups.yahoo.com/group/niem_rj/ Pessoalmente, estou tentando me contrapor a este discurso criminalizante e xenófobo que qualifica os haitianos como “invasores”. Textos como o seu são um apoio importante nesse sentido. Com um abraço Helion Póvoa Neto

Helion Póvoa Neto