Em show, o acupunturista Chico Buarque espeta dores nacionais para liberar energias
Por Fernando Molica em 13 de janeiro de 2023 | Comentários (4)
Caravanas, o show que Chico Buarque apresentou em 2018 foi de cortar corações, de fazer com que o piso do Vivo Rio ficasse encharcado de lágrimas. O novo, Que tal um samba?, também provoca marés altíssimas nos olhos do público. Mas é, digamos, um show mais racional, político.
Criado ainda durante o mandato de Bolsonaro, o show não é panfletário – melhor de todos, Chico é talentoso demais para se resumir a panfletos. Sua militância vai além, muito além.
No repertório estão canções que, como agulhas, espetam pontos doloridos e, assim, tonificam e liberam a energia para meridianos e canais sentimentais e institucionais bloqueados nos últimos anos.
Como acupunturistas, Chico e a pra lá de ótima Mônica Salmaso tocam em pontos muito sensíveis – falam de preconceito contra homossexuais (‘Mar e lua’), crimes ambientais (‘Passaredo’), racismo e escravidão (‘Sinhá’), sem-terras (‘Assentamento’), tristeza e desencanto (‘Desalento’), violência do Estado, mais preconceito e racismo (‘Meu guri’ e ‘Caravanas’), resistência e esperança (‘Todos juntos’ e ‘Que tal um samba?’).
É como se eles, cantando, dissessem que não dá pra esquecer, mas que é preciso superar. E, para isso, muitas vezes, é preciso cutucar algumas dores, espetá-las com agulhas, para que possamos liberar os canais entupidos, refazer nossos trajetos pessoais e institucionais – como repetia o economista e profeta André Urani ao citar o samba de Paulo Vanzolini, só se dá a volta por cima depois que a queda é reconhecida.
Em 2018, Chico concentrou espetadas no coração; desta vez, ele, homem solidário – contraponto ao brasileiro cordial de seu pai, Sérgio Buarque de Holanda -, ampliou o leque das estocadas, distribui agulhas por várias partes do nosso corpo, de nossa mente. Chega a doer, mas são lágrimas que agora lavam e enxaguam também nossas almas; saímos de lá recompostos, com os meridianos abertos, recuperados, cheios de alegria e de vontades.
(Foto de Thaís Velloso)
Molica, concordo com vc. Fui ver o show semana passada e saí com a sensação de que, aos poucos, voltamos à nossa normalidade. Triste ainda (a vergonhosa concentração de renda desse país, o analfabetismo - e racismo - estrutural, etc., etc.) - sim, triste, mas o nosso normal, que a gente sabia conviver com ele. Agora o Bolsonaro foi mandado pra Flórida, a pandemia se foi (não oficialmente, mas na pática se foi), o show do Chico, a praia, os bares e os estádios de futebol cheios, um presidente que governa (e gosta do país e sua gente) enfim, volta à normalidade. Foi uma sensação muito boa.
Américo VermelhoChico restaura
Vera SaboyaBrilhante análise! Vi os dois shows e você foi na mosca! Fiquei emocionada! E quando cita André Urano - grande perda- fiquei ainda mais arrepiada.
Lilian FontesMolica, a agudeza que Chico e a Cidade Maravilhosa lhe dão é de fazer inveja a qualquer estudante formado em Xangai!!!Abraços correenses!!!👏👏👏❤️
Edyla Varanda