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Esquerda e direita


Por Fernando Molica em 30 de outubro de 2017 | Comentários (0)

Até por ser botafoguense, começo a ficar muito irritado com essa lógica de Fla-Flu que tomou conta da vida brasileira. Qualquer gesto, qualquer opção, qualquer manifestação passou a ser enquadrada como “de esquerda” ou “de direita”. Passam ao largo da briga as definições clássicas de esquerda e direita, questões de fundo econômico. O que vale é o fetiche.
Entram na conta da esquerda até mesmo propostas que, historicamente, estavam relacionadas à agenda liberal, como ecologia, feminismo e direitos de homossexuais. Não faz tanto tempo assim, a palavra de ordem na esquerda era jogar essas questões para depois da Revolução, até para não desviar o foco da luta pelo socialismo.

Mesmo a democracia representativa – que prevê a existência de partidos de todas matizes – tem mais a ver com o liberalismo (com a direita, portanto) do que com a esquerda, que, por décadas repetiu o mantra da ditadura do proletariado. Até o capitalismo era defendido com base na liberdade – liberdade de mercado implicaria em liberdade política (a China bagunçou o coreto, mas o princípio continua).

Agora, tudo foi pro espaço. Até por não poder mais associar corrupção apenas à esquerda, grupos conservadores rasgam bandeiras históricas do liberalismo para defender censura, fechamento de exposições, proibição de palestras. Setores mais radicais da esquerda entram na dança ao tentar impedir a exibição de um filme sobre um ideólogo da direita.

No fim das contas, teremos que fazer uma tabela: homem nu é de esquerda; mulher pelada (aquela parada machista, de exploração do corpo feminino) de direita. Novelas da Globo com seus casais gays são de esquerda; as da Record, de direita. Cabelos grisalhos são de esquerda; pintados (em nome de Deus, da família), de direita.
Candomblé é de esquerda; igrejas evangélicas são de direita. São Francisco de Assis é de esquerda; São Sebastião (usa vermelho, mas lutou ao lado dos portugueses), de direita.

Largo de São Francisco da Prainha é de esquerda; Praça Antero de Quental, de direita.Comida vegana é de esquerda; churrascaria, de direita. Praia do Leme é de esquerda; Ipanema é de direita; Paquetá (com todos aqueles blocos, festas do Raphael Vidal), de esquerda; Ilha do Governador, de direita. Mangueira é de esquerda; Beija-Flor, de direita. Sexo papai-mamãe é de direita; variações sobre o tema, de esquerda. Proibir exposição é coisa da direita; impedir biografias, da esquerda.

Enquanto a gente perde tempo com essas caricatas tentativas de categorização, o país afunda, a miséria aumenta, o emprego patina. Temas como as reformas trabalhista e previdenciária, que afetam todos nós, despertaram muito menos paixão. Enquanto isso, o poder – poder mesmo, entidade quase eterna entre nós – aproveita nossa distração e, ambidestro, rouba com as duas mãos e morre de rir de tantas idiotices.

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