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Exigências da fé são para os fiéis


Por Fernando Molica em 15 de março de 2015 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 19/01.

Seguidores de uma religião têm o direito de exigir que seus irmãos de fé respeitem seus preceitos. Cristãos não podem admitir que cristãos questionem a ressurreição de Jesus; judeus não aceitam que judeus digam que Cristo é o Messias tão esperado. Mas as interdições só podem ser cobradas de quem comunga da mesma fé, caso contrário, abre-se caminho para o totalitarismo, toda a possibilidade de livre pensar vai para o espaço — muita gente foi para a fogueira por não ser católica. Se a moda pega, um parlamento com maioria de candomblecistas poderia obrigar todo mundo a vestir branco às sextas-feiras e proibir o uso de roupas pretas.

Tudo que é humano pode ser criticado — religiões foram criadas por homens e mulheres, não por Deus. O respeito à fé não pode ser um passe livre para abusos: deuses já foram invocados para justificar extermínios e sacrifícios de seres humanos, supostas ordens divinas determinam, até hoje, que clitóris de meninas sejam arrancados. Isso sem falar naqueles que exploram seus fiéis e usam a blindagem celestial para assaltar cofres públicos.

Outro ponto é relacionado às ofensas. A lei brasileira pune quem “vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”. Determinadas charges de Maomé (ou de Jesus ou Xangô) poderiam ser consideradas criminosas, mas nenhum juiz condenaria alguém que fizesse um simples desenho do profeta do Islã — o fato de muçulmanos não aceitarem esta representação não significa que o preceito tenha que ser adotado por nossa sociedade, seria risível processar quem canta a marchinha ‘Allah-la-ô’. Não sei se o Código Penal francês prevê punição a quem desrespeita religiões.

Caso não exista um artigo sobre o assunto, é razoável que fiéis se mobilizem para criá-lo. Vale fazer lobby, organizar passeatas, o que não pode é ameaçar ou matar. Sociedades são diferentes entre si, o que é rejeitado por uma pode ser admitido por outra, cabe à maioria definir o que é crime — as minorias podem tentar convencer outros cidadãos a adotar suas reivindicações, é assim que age o movimento que reivindica direitos para os gays.

Por último: muitos dos que tentam justificar o massacre no ‘Charlie Hebdo’ (“Ah, mas eles abusaram…”) ficaram quietos quando, na Marcha das Vadias ocorrida durante a Jornada Mundial da Juventude, foram quebradas imagens de santos católicos e uma mulher enfiou um pedaço de cruz no ânus de outro manifestante. Organizadoras do protesto disseram que não sabiam do ato, que classificaram de “polêmica performance com cruzes de madeira e estátuas de gesso”.

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