Festa, livros e banheiros sem portas
Por Fernando Molica em 18 de maio de 2012 | Comentários (0)
Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 16/5:
Convocado pelo Julio Ludemir, fui no sábado a São Gonçalo mediar uma conversa com Edney Silvestre num evento da Flupp, iniciativa que, apesar do nome, não tem nada a ver com o tricolor carioca. Trata-se da Festa Literária das UPPs, projeto que inclui palestras e uma espécie de reality show: uma disputa que prevê a publicação de textos de 30 autores estreantes, policiais e jovens de favelas e regiões periféricas
A conversa foi no auditório do Colégio Municipal Ernani Faria. Para minha alegria, o teatro tem o nome de um ídolo de infância, George Savalla Gomes, o palhaço Carequinha, que morava na cidade. O debate foi ótimo, muita gente na plateia, pessoas interessadas em literatura, em processos criativos, em técnicas usadas na ficção. A Flupp tem o grande mérito de estimular a produção de textos e a formação de escritores.
Mas — não tem jeito, tem que ter um mas — não dá para deixar de registrar algo que compromete qualquer esperança em uma educação decente. O teatro, bem conservado, contrastava com o péssimo estado dos banheiros da escola. No masculino não havia papel higiênico e — mais grave — portas nos boxes onde ficam as privadas. Não reclamo por mim — por diversas vezes na vida já fiquei muito feliz ao, no sufoco, encontrar banheiros bem piores. O problema não foi a falta de conforto dos convidados, que estavam lá de passagem, mas imaginar que aqueles locais são utilizados, todos os dias, pelos alunos e funcionários da escola.
Na segunda-feira, a precariedade foi parar na Internet. Um dos participantes do evento frisou que não dá para se pensar em educação sem fornecer, ao menos, banheiros limpos e com garantia de privacidade. Obrigar alunos e funcionários públicos a usar vaso sanitário de porta aberta aberta é um absurdo. Para isso, não há desculpa: cabe à prefeitura fornecer instalações decentes e criar condições e estímulos para sua conservação; o sindicato dos professores poderia também dar mais atenção às condições das escolas. Não dá pra ter orgulho de colégio com banheiro daquele jeito.
Saímos de São Gonçalo imersos numa contradição. Felizes pela participação em evento que estimula sonhos e projetos; tristes pela permanência de uma lógica administrativa que procura, na prática, empurrar crianças e jovens para um futuro sem perspectivas. Os banheiros sujos e escancarados debocham daquelas pessoas — pobres, em sua maioria — que veem no estudo a chance de uma vida melhor.