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Festa para São Jorge e Dona Ivone Lara


Por Fernando Molica em 29 de junho de 2015 | Comentários (0)

Estação Carioca, O DIA, 27/4.

Os fogos que, às 18h do dia 23, explodiram em Oswaldo Cruz, Madureira e Bento Ribeiro, marcaram o Dia de São Jorge e minha particular reconciliação com a festa. Nada de pessoal com o santo, o problema é que, quando criança, acordava assustado e irritado com o foguetório que sinalizava, em Piedade, a alvorada do 23 de Abril. Não conseguia entender por que os devotos tinham que despertar todo mundo assim tão cedo. Talvez isso tenha até gerado uma certa antipatia pelo exterminador de dragões e de horas de sono.

Os fogos foram sumindo na medida em que, ao longo dos anos, eu ia trocando de bairros, me afastando daqueles em que eram mais intensos e barulhentos os louvores ao Santo Guerreiro. Confesso nunca ter sentido falta daquela barulheira, mas depois da última quinta-feira, mudei de opinião. São Jorge me proporcionou um reencontro espetacular com os fogos, com a festa em sua homenagem e com minha própria história. Depois do presentão que ele me deu, tem todo direito de atrapalhar meu sono quando bem entender.

O presente se insinuou três semanas antes, com o convite para ir à feijoada em homenagem ao santo que Marquinhos de Oswaldo Cruz promoveria em sua casa. Artista que agregou o bairro ao sobrenome, ele criou o Trem do Samba e a Feira das Yabás e, há alguns anos, participou do esforço que ajudou a Lapa a se reencontrar com o estilo musical que melhor nos traduz. Ir à feijoada já seria ótimo, mas ao chegar lá, vi que tinha mais um grande motivo para comemorar: entre os convidados estava Dona Ivone Lara, que, dez dias antes, completara 94 anos.

Acomodada numa cadeira de rodas, ela trocou uma ou outra palavra com seus parentes e aceitou posar para fotos ao lado de tantos fãs. Na hora de sair, recebeu uma homenagem do anfitrião, que beijou sua mão e cantou algumas das belas canções que ela compôs. Fiéis ao culto aos ancestrais presente nas religiões de matriz africana, sambistas não se esquecem dos que vieram antes, que abriram caminhos, que tornaram a vida mais bonita. Marquinhos cantou, Dona Ivone ficou emocionada. Meninos, eu vi — mas disse que eu mereço?

Às seis da tarde, o barulho do foguetório se integrou à percussão da roda de samba que ocupava os fundos da casa. Som que serviu também para ressaltar a lembrança de um tempo menos hostil, de cadeiras na calçada, um Rio com poucas grades, em que fogos eram muito mais frequentes que tiros. Deu saudades da cidade do menino que morava em Piedade e que, de certa forma, nunca saiu de lá.

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