Futuro no pretérito
Por Fernando Molica em 21 de abril de 2010 | Comentários (0)
Não aposto em teorias meio místicas que relacionam enchentes, tsunamis, terremotos e a erupção do vulcão-palavrão a um suposto esgotamento do planeta, a uma vigança da Pachamama, da mãe-terra. Essas tragédias são meio cíclicas, de vez em quando explodem por aí: quem mandou nascer e construir civilização numa casquinha que se equilibra numa massa incandescente?
Mas o caos na Europa – que acaba afetando todo mundo – ajuda a pensar num eventual exagero desses tempos tão confortáveis (ok, o mundo não é assim tão confortável para muita gente, é duro pacas). Hoje é simples importar, trazer flores, camisas, carros, potes de mostarda, garrafas de vinho de qualquer parte do mundo. Assim como é fácil despachar qualquer besteira para o lugar que nos der na telha e couber no bolso.
Tudo ficou muito banal. Por que pagar R$ 10 por um pote de mostarda elaborada por aqui se, por um pouco mais, compro uma de Dijon? As novas gerações (sorte delas!) não têm ideia do que era o uísque nacional. Este laptop aqui veio sei lá de onde. A camisa da seleção brasileira é fabricada em que país mesmo?
Não, não se trata de fazer comício contra o comércio internacional, a globalização. Mas acho que todos nos acostumamos com um mundo simples e eficiente demais. Não é admissível faltar um produto, mesmo que ele venha lá do Japão. Aí um vulcão localizado num país-ilha no meio do oceano resolve levantar o dedo e mostrar que está vivo. Ao fazer isto, revela nossa fragilidade. Nada mais patético do que a foto de flores murchando em algum terminal de carga.
Já há algum tempo que ecologistas defendem o consumo de produtos locais para diminuir o gasto energético e a poluição. Talvez, daqui a alguns anos, se descubra que eles estavam certos, que esta proposta é lucrativa. É possível que o capitalismo se dê conta das vantagens de agir com mais cautela, de não depender tanto de flores holandesas ou de cervejas belgas: produtos que empacam armazéns ao menor arroto de um vulcão ou a um rugido de homens-bomba.
Quem sabe teremos menos voos, menos congressos presenciais – por que não fazê-los de forma remota? Talvez venha a ser necessário abrir mão de alguns pequenos confortos e de melhores preços em troca de maior certeza do fornecimento do produto. É possível que o vulcão tenha funcionado como uma espécie de freio de arrumação, aquele solavanco provocado por motoristas-trogloditas para ajeitar as pessoas que se espremiam nos ônibus. Enfim, noves fora um ou outro pequeno e raro luxo, não sou assim tão fã de uísque, me contento com a cerveja nacional. E não deverá ser tão complicado trazer, por rodovias, o vinho chileno ou o argentino. Se as restrições vierem rápido, talvez seja razoável evitar que o Caio deixe o Botafogo e vá logo para a Europa.