Jornalismo a R$ 15
Por Fernando Molica em 20 de agosto de 2009 | Comentários (6)
Ontem recebi, no meu e-mail de “O Dia” um spam intitulado “Cursos em diversas áreas do jornalismo a R$15, cada, no Rio”. O texto do e-mail é o seguinte:
A próxima edição dos cursos expressos de jornalismo no Rio será dia 29 de agosto, sábado, com os temas ‘Jornalismo Cultural’, ‘Jornalismo Empresarial’ e ‘Assessoria de Imprensa’. Cada um tem duração média de três horas e investimento de R$15, já incluso mini-apostila, certificado e caneta. Com objetivo de ser totalmente interativo, as aulas serão mescladas com conteúdos teóricos, práticos e vivenciais. Nelas, os participantes ao ouvirem, praticarão simultaneamente o que foi passado, possibilitando um aprendizado 100% proveitoso.
Achei curioso um curso de três horas prometer um “aprendizado 100% proveitoso” de temas razoavelmente complexos. Repare, eles falam em cursos, não em palestras. A exigência do curso superior específico para o exercício do jornalismo foi derrubada, a formação é livre. Mas, caramba, cursos de três horas de duração… Fui até o site da empresa – trata-se de uma assessoria de imprensa – e vi que ela oferece outras opções de especialização em jornalismo e que também vende apostilas sobre os mais variados aspectos da profissão. Confesso que fiquei surpreso: jornalismo não chega ser algo como física nuclear, mas exercê-lo exige um certo aprendizado – e aí não me refiro apenas aos cursos específicos. Fiz meus quatro anos de faculdade de Comunicação, tenho 28 anos de estrada, e continuo aprendendo. Sou coordenador de um curso de Jornalismo Investigativo, uma pós-gradução de 432 horas-aula, e sei como é complicado – e mesmo caro – oferecer um ensino de qualidade.
Bem, registrei minha surpresa no twitter, onde coloquei o seguinte post, acompanhado do endereço da página da assessoria:
Jornalismo a R$ 15! Com direito a mini-apostila, certificado e brinde!
Umas poucas pessoas fizeram comentários; eu despachei mais duas mensagens, uma sobre as apostilas a R$ 25 e uma outra, a respeito de um outro curso por eles oferecido, Técnicas de Entrevista, Reportagem e Redação – 4 horas-aula, R$ 60. E parei por aí. Repare: não fiz qualquer comentário sobre os cursos, nem sobre seus responsáveis, não usei adjetivos. Limitei-me a expor o que os donos da empresa divulgavam em e-mails e em sua página. Mas eis que hoje recebo um e-mail indignado de um dos responsáveis pelos cursos. O colega, apesar da gentileza de me chamar de “rapaz” – tenho 48 anos! -, afirma que eu desprezei e menosprezei o trabalho deles. Mais, que fiz “ofensas preconceituosas, infundadas e aleatórias”. Caramba, não fiz nada disso, não emiti qualquer juízo de valor. Apenas registrei seus cursos e, de certa forma, meu espanto – usei dois pontos de exclamação no primeiro post, mas foi só isso. Não consigo ver qualquer ofensa nas minhas curtas frases no twitter.
Bem, em nome do bom jornalismo, reproduzo aqui o e-mail que recebi.
Prezado,
Solange Ramos, quem fundou e dirige os trabalhos da RioPress está copiada neste e-mail. Porém, falo por mim, professor e um dos coordenadores dos cursos da Assessoria, que você parece desconhecer.
Boa noite. Acabo de acessar o seu twitter, pois você é um dos profissionais de comunicação que admiro pela postura, conduta e performance no ar.
No entanto, acabo de te escrever via seu blog, mas só agora notei que há este e-mail para contato.
Fiquei profundamente triste ao ler sobre a RioPress Assessoria de Imprensa em seu twitter, neste link: http://twitter.com/fabio_seixas (e também no seu, Fernando Molica), que imagino ser assinado por você mesmo.
Oferecemos cursos a baixo custo para atender a uma fatia da comunidade que não pode pagar milhares de reais por palestras em outras empresas renomados e para atender a aqueles que visam recolocação no mercado ou ainda já pagam caro em suas respectivas faculdades.
Notei que você tem um currículo invejável, e assim como eu, usufrui da internet para trabalhar, divulgar-se, aprender, interagir com demais profissionais da área e dezenas de fins profissionais ou não.
Você, rapaz inteligente e de educação no ar, sabe que todo e qualquer estudo perde o sentido a partir do momento que você o despreza ou menospreza. E para a minha surpresa foi o que você fez. Suponho que não conheça de perto o nosos trabalho, muito menos os integrantes da RioPress, pois parece que você desconhece nossos objetivos.
Figuras tais como: Everson Passos, âncora da rádio Eldorado, Ana Carla Portella, diretora do documentário do Telê Santana, e outras personalidades reconhecidas no meio passaram e passam semanalmente pela RioPress.
Não quero te censurar, te corrigir, ou pedir para você retirar suas ofensas preconceituosas, infundadas e aleatórias ao nosso humilde trabalho. Você é experiente, mais que eu, para saber que a internet é isso mesmo, não me surpreendo com suas palavras em relação a RioPress, mas me frustrei pelo autor das mesmas.
Meu caro, preparamos aulas nas madrugadas, pois também atuamos na área diariamente. Não somos enganadores, muito menos aproveitadores do bolso das pessoas. Entendo que aproveitador é aquela universidade que cobra R 1.500,00 de mensalidade para ensinar o óbvio, o desnecessário e o supérfluo na comunicação.
Espero que você mude de idéia ao nosso respeito, em especial ao nosso respeito, convido-o aqui para participar gratuitamente de nossos cursos oferecidos em SP ou no RJ, de acordo com a sua agenda ou para até mesmo conhecer nosso trabalho pela RioPress ou em outras empresas.
Além de formado em comunicação, atuo como apresentador na allTV, comentarista esportivo na 106,9 FM e assessor no Fórum da Comunicação de SP e ministro aulas e palestras em faculdades como a Anhembi Morumbi e RioPress. E quer saber? Sabe a diferença das aulas para o aluno da Belas Artes ou Rio Press? Nenhuma, pois não me contamino e não discrimino ninguém, independendo de quanto a pessoa se dispõe a pagar pelo conhecimento. Aliás, viu a nova do jornal concorrente ao seu? “Quer pagar quanto pelo conhecimento?” Pois é, o Estadão está com essa campanha na tv.
Enfim, espero que absorva essas minhas palavras com respeito ao menos, pois a admiração que tinha por você já não é mais a mesma, infelizmente. Estou frustrado.
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Sincero abraço,
Moacyr Victor Minerbo.
Eu entendo a posição dos que já são formados em jornalismo ao verem uma "lei"banalizarem suas profissões.Mas as reclamações partem primariamente destas pessoas.Creio que o sol nasce para todos e se hoje existe a possibilidade de outras pessoas alçarem esta profissão pelo talento nato deve ser explorado sim .
Haroldo CesarÉ a velha e boa tática da melhor defesa é o ataque. Como não tinha como se defender, simplesmente atacou para tentar atingir os incautos, ou ingênuos. É, infelizmente ainda existem aos montes, e assim os "espertos" ganham a vida. Abraço!
Álan LeiteSeria cômico, se não fosse trágico não é mesmo Molica. E o pior é que eles ainda se sentem com a razão. Meu Deus, nunca pensei que depois dos meus quatro anos de graduação, agora começo um período de pós de mais um ano e meio, 12 anos de profissão, eu viveria para ver a nossa profissão achincalhada dessa forma. Permitimos a instauração da Ditadura do Judiciário: acabam com a exigência da formação para as profissões, censuram grandes meios de comunicação como O Estado de S. Paulo que, se não erro nas contas, está a exatos 21 dias sob censura e, agora, começam a distribuir "certificados" em "formações" diversas do "jornalismo" via delivery. Um fast-food da informação, entregue via sedex ou adquirido em uma enganação de 3 horas. Como me envergonho de ser brasileiro.
Eduardo FreireFrite os mesmos ou - se você me permite - estamos fritos. abraços.
Fernando MolicaMolica, A coisa cheira a picaretagem mesmo. Se não nos resguardarmos, quem o fará por nós? Já não bastou esse golpe contra o diploma?
Cláudio RenatoMolica, também fiquei surpreso com a existência de "cursos expressos" na área de Jornalismo. No pensamento do autor da resposta que você publicou no blog, a empresa criou uma metodologia de ensino em que foram retirados "o óbvio, o desnecessário e o supérfluo na comunicação". Resultou em 3 horas de ensino para o que antes se configurava como uma disciplina. Essa metodologia de ensino é revolucionário, deveria ser mais divulgada! Para que 4 anos de faculdade, alguns cursos expressos e pronto: um jornalista na praça. Lendo o post recordei do seu romance, Ponto de partida, principalmente do trecho em que o narrador-personagem (Ricardo M.) comentava que houve um tempo em que jornalista não precisava de diploma, nem de escrever. Esse tempo, que o personagem associava a outro personagem, o tempo do Carniça, tá retornando: "Frite os mesmos". Abraços, Paulo Roberto Tonani do Patrocínio
Paulo Roberto