Jornalistas não são amigos, nem inimigos
Por Fernando Molica em 03 de abril de 2023 | Comentários (0)
A derrapada de Lula ao dizer que gostaria de, digamos, ferrar Sérgio Moro e a atitude do ministro Paulo Pimenta de questionar a formação da jornalista Raquel Landim, da CNN, têm como origem um erro comum cometido especialmente por detentores de cargos públicos: o de achar que o repórter é seu amigo ou inimigo.
A declaração de Lula foi durante entrevista à TV 247, veículo que tem uma posição à esquerda. Pimenta lançou a ironia para tentar desqualificar uma repórter que perguntara sobre outro palpite infeliz do presidente, a insinuação de que Moro teria feito alguma armação em investigações da PFcontra o PCC.
Lula jamais falaria de seu desejo mais primitivo em relação ao ex-juiz caso estivesse concedendo entrevista à chamada grande imprensa. O ministro não reagiria daquele jeito caso o entrevistador fosse de um veículo tido como aliado à esquerda.
Nós, jornalistas, somos cidadãos e eleitores, temos preferências políticas. Nossas pautas e abordagens podem até revelar algumas de nossas visões de mundo. Mas nosso compromisso é com a notícia. Temos a obrigação de buscar o máximo de imparcilidade e de atuar de maneira honesta e profissional. Não somos amigos ou inimigos de ninguém.
Nosso trabalho é público, estamos sempre sendo avaliados e questionados (quiçá, xingados e agredidos). Nenhum jornalista é dono de um fato, eventuais manipulações ficam evidentes na comparação com o que foi publicado por outros veículos. A própria história se encarrega de, volta e meia, questionar o que publicamos.
Não temos o direito de ignorar uma notícia. Os repórteres da TV 247 ouviram o que Lula disse e trataram de divulgar sua declaração. Landin também fez o que deveria fazer – formulou uma pergunta correta e necessária, que estava na cabeça de todos os que acompanhavam o caso.
Ela verbalizou um questionamento que também havia sido feito até por petistas. Lula tem o direito de não gostar de Moro, mas, a menos que tivesse evidências da suposta armação, não poderia, caso tocasse no assunto, deixar de expressar solidariedade a um senador. Ainda perdeu uma chance de exaltar o trabalho não partidário da PF em seu governo.
A repercussão do embate fez com que Pimenta se justificasse, alegou que apenas reagira com indignação “pelo tratamento desrespeitoso que a bancada estava dispensando ao Presidente Lula”. Caso achasse que o presidente estava sendo desrespeitado, ele teria o direito até de interromper a entrevista, mas a pergunta da repórter não embutia qualquer ofensa.
Lula e Pimenta erraram. Sabem que precisam prestar contas, que não são donos do poder, apenas seus ocupantes. Como qualquer um, podem perder a cabeça, falar uma besteira. Mas o melhor, nesses casos, é reconhecer o erro, pedir desculpas e seguir em frente.
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(Estava na ‘Folha’ quando FHC falou com jornalistas numa calçada. Perguntei algo sobre crítica ao Plano Real. Ele ironizou: “Você é economista?”, perguntou. Respondi: “Não, não sou. Mas o senhor também não é.”)