Literatura e jornalismo
Por Fernando Molica em 19 de outubro de 2009 | Comentários (0)
Na terça, dia 27, partiparei de uma das mesas da 13ª Jornada Nacional de Literatura, em Passo Fundo (detalhes aqui). O tema da conversa será ‘Jornalismo, cinema e internet’. Na mesa estarão também Guilherme Fiuza, João Guilherme Estrella, Jorge Furtado, Ricardo Silvestrin e Sergio Leo.
Já que o jornalismo será um dos assuntos – e a jornada é sobre literatura – republico aqui um texto originalmente postado em abril. Nele, procuro tratar desta relação tão delicada, a produção jornalística e a literária. Aí ele de novo.
Leitores mais assíduos podem achar o blog meio esquizofrênico. Afinal, o espaço é emoldurado por livros, tem nome e design que remetem ao meu último romance – e, por aqui, pouco trato de literatura. Isso é mais ou menos proposital, nunca pensei em criar um espaço dedicado à discussão de livros. Ao contrário de outros colegas como o Sérgio Rodrigues e o Marcelo Moutinho, não me sinto muito à vontade para tratar do tema. A dupla militância – jornalista e escritor – já me criou suficientes questões. Creio que teria dificuldades para, por exemplo, resenhar livros. Prefiro marcar uma posição: em se tratando de literatura, sou ator, jogo como escritor, não como crítico.
O engraçado é que atividades aparentemente tão próximas como o jornalismo e a literatura são, na prática, muito distantes. Uma distância que, com o tempo, foi ficando ainda mais evidente para mim. Há talvez, grosso modo, uma separação básica: jornalistas buscam simplificar, traduzir, dar respostas. Escritores tendem a problematizar, a apresentar e aprofundar questões. O teclado que os (nos) une é o mesmo que nos separa. Nesta sempre inglória tarefa de hierarquizar e traduzir o mundo, nós, jornalistas, tendemos a rotular fatos, contextos e pessoas. Precisamos sempre creditar o entrevistado: médico, advogado, deputado, operário. Os que militam em mais de uma função nos causam problemas: advogado e músico, dentista e bailarino, paisagista e piloto de stock-car.
A duplicidade de funções incomoda, transtorna; complica a nossa função jornalística de tentar colocar ordem no caos que, a cada dia, se apresenta diante de nós. Tendemos a ser rígidos na hora de organizar macacos e seus respectivos galhos. Isso pode se voltar contra nós na hora em que, enfim vidraças, nos tornamos objeto de trabalho de outros jornalistas. Chega a ser curioso um movimento que talvez busque a união entre as duas personas. Cristiane Costa, autora de Pena de Aluguel (Companhia das Letras), livro que trata de jornalistas que escrevem ficção, ressalta que, a partir do início dos anos 80, “escritores que trabalham em jornal vão se afastar das editorias de hard news, como Política e Geral, e preferir as editorias de cultura, vinculando-se diretamente ao mundo intelectual e ao meio editorial”.
Não foi o meu caso: cheguei a fazer muitas matérias para segundo cadernos, a escrever resenhas de livros, crítica de cinema e até de ópera (neste caso, uma vez só). Mas, há mais de uma década, sigo uma espécie de ortodoxia ligada à apuração, redação e edição de reportagens. Não deixa de ser curioso que meu primeiro livro – um romance – tenha sido gestado quando eu trabalhava como repórter de TV. Talvez a simplificação inerente ao veículo tenha radicalizado algumas importantes e necessárias contradições.
Nisso tudo há algumas certezas. A primeira delas é um lugar-comum: a vida é mais rica e contraditória que a ficção (Antonio Expedito Perera, personagem de meu livro jornalístico, O homem que morreu três vezes, me provou isso). A segunda está ligada à constatação anterior: a ficção ainda é a melhor alternativa para ao menos se buscar tatear contradições, angústias e possibilidades humanas. Neste ponto, o instrumental jornalístico se mostra quase sempre frágil e limitado. Seres humanos não costumam ter lide. Melhor: seus lides tendem a ser falsos, conversa pra jornalista dormir. Daí que coleguinhas como Gay Talese e Truman Capote se agarraram à bóia ficcional na hora de reportar aspectos menos evidentes de seus personagens de carne e osso. A dor da gente não sai no jornal, como diz o samba que tanto cito no Notícias do Mirandão.
Feita esta separação de métodos e, vá lá, objetivos, fica mais fácil vivenciar os universos do jornalismo e da ficção. Nunca exerci outra profissão, sou jornalista há quase 30 anos, gosto disso. E não vejo muita chance de migrar para funções em redação que, como disse a Cristiane, se vinculariam a atividades mais afins com a literatura. Com o tempo – meu primeiro livro é de 2002 – passei a achar que é até melhor assim. Sou jornalista e escritor como poderia, como tantos outros, ser médico e escritor, funcionário público e escritor, professor e escritor. Acho que isso não chega a ser tão complicado assim. Não busquei a literatura por suas semelhanças com o jornalismo, mas por suas diferenças.