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PONTOS DE PARTIDA, O BLOG DO MOLICA

Livros, abismo e o canto do ringue


Por Fernando Molica em 27 de abril de 2010 | Comentários (5)

Diante das discussões levantadas pelo artigo da Flora Süssekind publicado em “O Globo” (ver post anterior), resolvi republicar aqui um texto de dezembro passado, quando, a propósito de comentar a Copa de Literatura Brasileira, falei um pouco sobre a relação – ou ausência de relação – do leitor com a produção brasileira contemporânea. Aí vai ele de novo.

O ponto da partida foi mais cedo para o chuveiro. Após ganhar de Acenos e afagos, de João Gilberto Noll, acabou derrotado por Flores azuis, de Carola Saavedra, nas quartas de final da Copa de Literatura Brasileira. O jogo foi decidido por Leandro de Oliveira.

Nada a reclamar, claro: como já ressaltei aqui, o mais importante da Copa é a oportunidade de se discutir a produção literária. Para fazer isso, o torneio brinca com a possibilidade de enfrentamento entre romances. Este quase paradoxo – livros não são escritos para participar de disputas – dá gás e areja esse pequeno universo. No caso específico, o Leandro foi equilibrado, ressaltou qualidades nas duas obras e fez uma escolha baseada em suas próprias expectativas como leitor. E é bom que tenha julgado na condição de leitor, livros existem para serem lidos.

Aproveito o embalo para levantar um tema que considero fundamental. A relação – ou melhor, a inexistência de uma relação – do público com a produção literária contemporânea brasileira. De um modo geral, não somos lidos por muita gente, é só conferir as listas de mais vendidos. Disse no outro parágrafo que livros existem para serem lidos. Deveria ser assim. Na prática, sofremos todos com uma incômoda ausência de leitores. Exceções como os livros de Chico Buarque não contam – o ótimo Budapeste vendeu muito porque nasceu assinado por um nome que é referência de qualidade para boa parte da população. Como diria nosso presidente, Chico não faz merda. Dá pra comprar sem muito risco.

Talvez estejamos todos – autores, editores, críticos – fascinados por uma festa em que somos os únicos convidados. Melhor, uma festa que só tem melhorado: os encontros literários se multiplicam, ganham visibilidade, charme e, volta e meia, rendem um cachê. Mas, como diz o Marçal Aquino, não saímos da nossa confraria, nos consumimos, nos frequentamos, nos elogiamos – nem brigar temos brigado. Nossa produção pouco circula fora do universo do leitor profissional. Não dá para achar que isso é normal, que podemos abrir mão do diálogo com leitores comuns, não ligados ao mercado editorial.

Não chego ao radicalismo dos que veem numa certa busca da inovação pela inovação a responsabilidade por esse não-encanto do leitor. Para eles, o jogo literário teria assim se transformado numa brincadeira auto-referente. Algo para iniciados, que excluiria os que estivessem de fora do baile. Mas este argumento radical não deve ser descartado, é bom trazê-lo para a discussão.

O problema é que a inanição do público também afeta autores que, em tese, poderiam ser mais populares. Nem dá para se falar numa conspiração formalista – ainda que o aspecto da suposta inovação seja volta e meia alardeado como fundamental para se definir a qualidade de um livro. Não é difícil encontrar resenhas que insistem em enfatizar, de uma maneira mais elaborada e sofisticada, a separação entre forma e conteúdo: aquela costuma ser apontada como mais relevante do que este. Tenho dificuldades para separar uma boa história de um bom jeito de narrá-la – um quesito depende do outro.

Tendo também a desconfiar desta busca pela suposta novidade. Antes de ser escritor, sou um leitor; um leitor desorganizado e não-sistemático, meus gostos são muito variados e não-enquadráveis – não consigo dizer que um livro é bom porque inova ou que é ruim pelo mesmo motivo. Um livro é bom porque se impôs, despertou meu interesse, me fez ter vontade de retomar logo a leitura. Não dá para medir a qualidade de um improviso pelo tempo em que o saxofonista ficou sem respirar. Machado de Assis morreu há cem anos, mas continua jovem, inovador. Ao mesmo tempo, há novidades que nascem caquéticas.

Talvez por isso – o critério é mais do leitor do que do escritor – me assusto pela busca literária do equivalente a um duplo twist carpado (ou esticado, ou com mortal na segunda pirueta). Na literatura, o tamanho do salto e seu índice de dificuldade não podem ser usados como referências finais de qualidade – até porque, na vida e nos livros, quedas costumam ser muito mais interessantes que as vitórias. Temo que uma eventual hegemonia desses critérios leve a literatura a um impasse como o que, de certa forma, empurrou as artes plásticas para o canto do ringue. A menos que, a exemplo do personagem de Cordilheiras, do Galera, estejamos todos fascinados pelo abismo.

Claro que nenhuma opção pode ser condenada de cara – ainda mais num momento que nem mesmo o livro em si, o próprio objeto, capas e miolo, se vê ameaçado por suas versões eletrônicas. Repito: não quero ser excludente nem separar e qualificar livros por suas características mais ou menos formais. Como dizem os bicheiros, vale o escrito, o publicado.

Admito, claro, que na literatura, não dá para associar qualidade a um bom desempenho de vendas. Mas não podemos cair no oposto: passarmos a considerar como bom o livro que não vende, que não é lido. Ter uma boa história não é sempre garantia de qualidade de um livro; assim como a ausência de um enredo mais palpável não deve ser vista como sinônimo de excelência. Talvez seja preciso um pouco menos de arrogância, de predisposições contra e a favor. O livro tem que valer pelo que é, pelo impacto que nos causa. Tanto melhor se essa experiência vier a ser compartilhada por muitas pessoas – não nos orgulhemos da exclusão deliberada. As melhores saídas não podem ser o desejo do canto do ringue ou o fascínio pelo pulo no abismo.

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Comentários
22 de maio de 2010

Caríssimo, tudo bem? O Dunga é um chato, uma mala. Jogou pacas em na Copa de 94, todo mundo gosta dele. E o sujeito insiste no rancor, no ódio, na vingança. Pior é que ele tem grana pra pagar tratamento, ir num analista - no de Bagé, que seja. Não cairei nesta armadilha de torcer para um time cujo técnico quer vencer para se vingar de todos nós. Ao vencedor, as batatas. abs,

Fernando Molica
22 de maio de 2010

Caríssimo Molica, Saúde, paz e sorte! Como sempre um texto maravilhoso, uma análise competente, um julgamento justo. Lantejolas à parte, estamos chovendo no molhado. Fiquei sabendo pelo jornalista Guilherme Fiúza, em entrevista ao Jô Soares, que Dunga também resolveu ser censor. Ameaça (já disse inclusive que não quer), ele Dunga, impedir o pessoal do Casseta&Planeta que cobrir a Copa (acredito que Dunga se refira a não cobrir a participação da Seleção Brasileira), o que já é uma prova de que Dunga traz o ranço da vingança. Cabe aqui a pergunta: – Dunga tem todo esse poder de 'ditador militar' - tipo aquele que queria escolher a seleção pelo João "Sem Medo" Saldanha? Se conquistar o hexa dá pra engolir o técnico, mas dá pra engolir o ditador.

Miro Lopes
12 de maio de 2010

Caríssimo: claro que autores, críticos, professores e leitores têm diferentes (embora não excludentes) papéis. Não defendo uma literatura voltada para o gosto de um suposto leitor médio, livros voltados apenas para o já conhecido e repetido. Apenas acho curioso que estejamos construindo um - vá lá - universo literário sem considerar a presença do leitor. Tentando ser mais específico: a ausência de um público regular para a produção brasileira contemporânea parece não incomodar o tal universo. Acho que esta discussão deveria estar mais presente; ela passa, inclusive, pela formação dos professores de Letras. Abraços.

Fernando Molica
11 de maio de 2010

Meu querido Molica, belo texto sobre a literatura festiva. Mas fico com o Lobo Antunes (de quem, aliás, comecei a ler um livro e achei chatíssimo): o sujeito ao escrever deve ter a pretensão de fazer algo diferente _ e melhor _ de tudo que foi feito antes. Se consegue ou não é outra história. Como você bem diz, fato de ser novo não é garantia de qualidade. Por outro lado, simplesmente escrever para agradar a leitor é coisa de roteirista de novela, ou pretendente a Paulo Coelho. O papel do crítico é mesmo o de decifrar, no texto literário, as invenções, formais ou de outra ordem, que cativam o leitor. E o do leitor é ler, ora bolas. E, como diz o Todorov, o do professor é, apoiado nas manhas sacadas pelo crítico, estimular nos alunos o tesão do leitor. Não quer dizer que o leitor não seja fundamental, nem que o escritor deva buscar o texto gongórico ou criptografado, a experimentação pela experimentação. Está aí o Umberto Eco e seu Nome da Rosa para mostrar que se pode fazer uma obra complexa, de sucesso e sofisticadamente simples (para usar uma expressão que ouvi da Rosa Passos, outra vítima do filistinismo nacional). Muitos escritores estrangeiros celebrados nos mostruários de livrarias fazem iso. Não um texto manufaturado para agradar aos leitores ou mesmo aos críticos, mas textos tão bons que acrescentam originalidade ao patrimônio literário e... conquistam o leitor. Já muitos dos que reclamam no Brasil da falta de consideração dos críticos são como aquela personagem do Henry James que, em uma vasta obra jamais contribuiu com uma expressão nova sequer para a língua inglesa. Neguinho reclama que não é reconhecido porque não tem nada pra mostrar mesmo. Como você indica, porém, um problema com editoras, cadernos culturais, críticos é essa síndrome de leitor-de-Chico-Buarque-ao-contrário: é brasileiro, não é o Chico nem de alguma panelinha, deve ser uma merda. E as portas se abrem só para amigos, indicados, a confraria, independentemente se o livro é experimental, comercial ou excremental. (sobre livros bons que não despertam interesse nem são lidos pelos contemporâneos, infelizmente existem. Uma revisãozinha na história da literatura rende uma lista comprida...)

sleo
07 de maio de 2010

Prezado Molica. Muito relevante esta questão abordada por vc em relação à literatura brasileira contemporânea. Realmente o livro sem a chancela de uma 'marca forte', como vc citou o caso do Chico Buarque, não vende por aqui. Isto é fato. Existem mil motivos. Os meios de comunicação de massa nao valorizam a arte do escritor. Muito menos de um novato ou de um brasileiro que nao seja midiático. Os novos escritores escrevem para os novos escritores, assim como vc definiu os atos da confraria - e é também o que prevalece nas redações hoje em dia (as matérias jornalísticas estão muito mais voltadas para a concorrência entre os veículos, para agradar aos editores do que para os interesses da sociedade de uma forma geral, ao que vá envolver o leitor comum). Particularmente, eu gosto de um livro bem escrito - na verdade, a história nem precisa ser muito boa. E percebo que isto faz parte da cultura de uma maioria. Exemplo disso é o caso de Dan Brown, que vende milhares de exemplares. Muitos dizem que a história dele é cheia de furos, que nao tem muito sentido, etc e tal. Mas a figura escreve bem, é envolvente, usa o recurso de roteiro de novela, terminando cada capítulo com uma dose elevada de expectativa sobre o q acontecerá em seguida. Isso prende o leitor. é tática didática e efetiva. Quem foge muito a esta regra nao vai vender mesmo e nao poderá reclamar do resultado. Claro q estou fazendo uma análise superficial e popular do processo, mas já que vc tocou no ponto da 'nao vendagem' eis aqui algumas obviedades. Quanto ao tema central de um livro que exija um conhecimento mais aprofundado, temos de levar em consideração o nível geral da população brasileira, a influência das mensagens presidenciais ("nao leio, nao estudei e cheguei ao posto mais alto do país...") e diversos outros tópicos que ajudam a afundar e desprestigiar o segmento. E se fossem distribuídos livros junto ao bolsa-família (taí uma ideia p a confraria levar aos nossos governantes), garanto que menos de 5% dos exemplares seriam tocados pelos beneficiários... Lamentável, né? abraços. Paulo Gramado

paulo gramado