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Maradona e Dunga; Mozart e Salieri


Por Fernando Molica em 18 de junho de 2010 | Comentários (1)

O contraste entre Dunga e Maradona – que se reflete no desempenho, até agora, das seleções brasileira e argentina – faz lembrar Amadeus, filme dos anos 80 dirigido pelo Milos Forman, com base no roteiro de Peter Shaffer. No filme, um bom compositor, Antonio Salieri, descobre a insignificância de seu talento quando da chegada de Mozart a Viena.

Já maduro, Salieri atribuia seus dons musicais à sua fidelidade aos princípios cristãos. Era casto, rígido, obediente. Via na sua inspiração uma recompensa divina ao bom comportamento. Diante de Mozart, desaba: aquele jovem desbocado, sensual e irreverente era um compositor muito melhor que ele. Ao contrário de Salieri, Mozart não pautava sua vida pelos tais princípios religiosos. O filme mostra um Salieri surpreso e inconformado com a decisão divina de dar a um libertino debochado uma capacidade insuperável de produzir beleza.

Dunga é rígido, zeloso, respeitador, hierárquico; comporta-se como um comandante militar. Seu bom e limitado futebol era resultado de sua disciplina técnica, física e tática. Sente-se confortável quando manda e quando obedece – daí não questionar ditaduras nem regimes como o apartheid. Se há uma ordem, ela tem que ser respeitada. Não admite a bagunça, o vinho, o sorvete e, claro, o sexo. Tudo tem que estar sob seu controle, no vestiário, no campo e na cama. O prazer é visto como um risco que ameaça o objetivo final. Abre apenas uma exceção quando tira do armário um modelito Herchcovitch.

Maradona é anárquico, provocante, abusado. Seu futebol era criativo, surpreendente, arrogante e, mesmo, debochado. Quando jogador, não se preocupava em posar de atleta, era gorducho, foi flagrado quando usava doping numa Copa do Mundo. Seu desrespeito ao poder o levou a brigar com a Fifa, com Pelé (rival e, de certa forma, representante do establishment futebolístico). Maradona se diz amigo de Fidel Castro, tatuou a imagem de Che Guevara no braço. Irresponsável, queimou sua fortuna, cheirou quilos de cocaína, esteve à beira da morte em um hospital argentino. Beija seus jogadores, mas ressalta que gosta muito de mulher.

Em seu primeiro jogo, o Brasil foi lento, burocrático, chato. Dunga armou um time defensivo, cauteloso. Em suas duas apresentações, a Argentina foi criativa, arrojada, ofensiva; demonstrou, na estreia, ter uma defesa pouco confiável. Como outras grandes equipes do futebol mundial, aposta que, no ataque, conseguirá compensar as fragilidades da zaga. O time de camisa listrada parece nos dizer que jogar, assim como viver, é muito arriscado, mas que só assim a brincadeira tem alguma graça. De certa forma, reconhecemos na equipe argentina o futebol que gostaríamos de ver vestido com a camisa amarela. Historicamente, somos rivais da Argentina porque, no fundo, sabemos que eles têm um futebol tão criativo quanto o nosso. O que nos afasta são as semelhanças; não as diferenças.

A Copa mal começou, é cedo para fazer previsões. Mas acho que a eventual vitória da Argentina irá gerar em Dunga um sentimento parecido ao causado em Salieri pelo triunfo de Mozart. Como uma seleção liderada por um sujeito como aquele pode vencer uma competição cada vez mais marcada pelo rigor? Como ele, Dunga, um sujeito sério e exigente, pode ser superado por um gordinho que ameaça ficar pelado caso seu time seja o campeão? Bem, a vida é assim: injusta, surpreendente. Com todo respeito aos esforços de Dunga e de nossos jogadores, o talento é fundamental. A vida já é dura o suficiente, no futebol queremos um pouco mais do que a repetição da chatice do cotidiano. Mozart, que morreu aos 35 anos, permanece muito mais vivo que Salieri, que carregou seu amargor e sua inveja até o fim dos seus 75 anos.

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Comentários
25 de junho de 2010

Belissimo texto, não conhecia seu blog e ao me deparar com um texto em que a contextualização nos faz ficar vidrados no desenrolar das linhas...fico com a obrigação de ler, e repassar para amigos... Parebens pelo texto ! so espero que no final o nosso Salieri vença...porque aquentar um Mozart vestido de argentina vai ser um saco ! forte abraço !

Joao Neto