Meus livros e seus novos vizinhos
Por Fernando Molica em 28 de outubro de 2016 | Comentários (0)
Na infrutífera busca por um determinado livro, acabei tomando, esta semana, a decisão radical de mudar o critério de arrumação da principal estante de casa, que reúne ficção, livros jornalísticos e obras que tratam da história recente do país.
O maior problema foi com a ficção, estrangeira e nacional. Eu havia desenvolvido um critério absolutamente maluco que me permitia organizar os volumes de acordo com minhas idiossincrasias.
Começava as prateleiras dos estrangeiros com os autores portugueses e daí para angolanos, moçambicanos, espanhóis (aqui incluídos os de países vizinhos, da América Latina), russos, franceses, norte-americanos, britânicos etc. Só que já não conseguia encontrar muitos livros. Fiz um mix: mantive separados os escritores lusófonos, os que escrevem em espanhol e em russo. Depois, ordem alfabética para todos.
Graças à decisão de isolar algumas nacionalidades e idiomas, consegui manter algumas brincadeiras como a de colocar lado a lado autores que haviam cultivado rixas entre si – Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa, Saramago e Lobo Antunes vão poder, assim, continuar a brigar pelas madrugadas.
No setor nacional, a confusão era maior ainda, já que costumava priorizar clássicos e autores contemporâneos de minha preferência, entre eles, diversos amigos. Mas cadê que eu conseguia achar o título X ou o Y; desorganizado desde sempre, sequer conseguia mais juntar livros de um mesmo autor.
Então, parti pra caretice, e tome, aqui também, de aplicar a ordem alfabética. Foram dois dias insanos, com poeira e livros para todo o lado, mas o resultado ficou divertido. Há autores que devem estar irritadíssimos com os novos vizinhos, mas, em outros casos, surgiram boas coincidências.
João Antônio e Marçal Aquino certamente terão longos colóquios sobre personagens que vivem nos cantos escuros das grandes cidades; o mineiro Paulo Mendes Campos falará de carioquices com Antonio Callado, Flávio Carneiro gostará da companhia do Rafael Cardoso e do Bernardo Carvalho. Cony e Flávio Moreira da Costa também terão bons diálogos. Marcelino Freire e Daniel Galera discorrerão sobre paulistas. gaúchos e muitas memórias da infância e juventude.
O animado e extrovertido Jaguar vai elogiar os livros e brincar com os personagens que, criados por Flávio Izhaki, giram em torno de tantas dúvidas. Como livro não sofre efeitos do álcool, poderão beber muito na conversa (nesta disputa, sou mais Jaguar e dou vários copos de vantagem para ele). ‘Rio bandido’, do amigo Ronie Lima, puxará conversa com a ‘Cidade de Deus’, de Paulo Lins. E manifestações culturais populares serão tema dos camaradas Nei Lopes e Júlio Ludemir.
Alberto Mussa não vai reclamar da companhia – este senhor passou a ter, do lado direito, a companhia do Marcelo Moutinho. O vizinho da esquerda é Raduan Nassar. Vou esconder um gravador por ali e, assim, registrar as conversas entre Moutinho e Mussa pontuadas pelos silêncios do Raduan. O pobre do Antônio Prata vai ter que se virar para arrancar palavras do sintético Gracialiano Ramos, mas haverá de seduzir o alagoano com seus textos e tiradas.
Sérgio Rodrigues ficará feliz da vida, poderá, enfim, discutir futebol com os primos Henrique e Nelson. Para ajudar a quebrar o gelo, coloquei ‘O drible’, do primeiro, ao lado de ‘À sombra das chuteiras imortais’. De vez em quando, Sérgio poderá se virar para a esquerda e dar alguns conselhos para Guimarães Rosa. Logo ali ao lado, LYgia Fagundes Telles e Antônio Torres, grandes conversadores, trocarão histórias e vidas.
Xico Sá exultará ao saber que ficou grudadinho com Carola Saavedra. Luiz Antônio Simas falará de encatarias com Edney Silvestre; Márcio Souza e Cristóvão Tezza protagonizarão um delicioso diálogo Norte-Sul. Ali perto, Verissimo rirá baixinho na direção do paranaense e dirá, me dei bem, fiquei com a Paloma Vidal (terá que, porém, disputar sua atenção com o Luiz Vilela).
E, caramba, onde ficaram os meus livros? Como quem manda aqui sou eu, tratei de arrumar lugar numa cobertura que remete aos altos do Cosme Velho. Sim, é isso mesmo que você pensou, tratei de me colar no Machado de Assis, que nos observa e, espero, abençoa. Temo apenas, dia desses, ouvir o Bruxo, irônico, sussurrar um “passe aqui em casa, leia mais, e vê se aprende”.