Míopes perdidos nas praias cariocas
Por Fernando Molica em 24 de fevereiro de 2011 | Comentários (0)
Estação Carioca, 23/02, jornal “O Dia”:
O Choque de Ordem melhorou a situação nas praias da Zona Sul carioca, é ótimo poder caminhar até o mar sem se arriscar a levar uma bolada ou uma raquetada. O problema foi a derrapada na regulamentação das novas regras. Num primeiro momento, a prefeitura exigiu que o vermelho se tornasse a cor obrigatória das barracas que poderiam ser alugadas. A exigência acabou caindo, mas a grande maioria dos barraqueiros já havia adquirido ou recebido o material monocromático.
Quem bolou a tal norma não deve ter filhos e, certamente, não é míope. Ou então, tem filhos e é míope, mas nunca pisou na areia. As barracas diferentes representavam pontos de referência na orla, principalmente para quem sai do mar. Nesta hora, valia recorrer à memória visual para encontrar os pais ou os amigos — perto da barraca amarela, ao lado daquela listrada de azul e branco. Imagine o sufoco do míope que, ao sair da água, depara-se com aquele mar vermelho formado por milhares de tendas desfocadas. O sujeito pode se imaginar num comício do PT. Por algum misterioso efeito colateral, nós, míopes, tendemos a ser mais distraídos, o que só piora a nossa situação e aumenta a dificuldade de descobrir de onde viemos e para onde vamos.
A ditadura vermelha complicou muito a vida dos pais das crianças mais grandinhas, que já podem ficar desacompanhadas na parte rasa da praia. Melhor: podiam, não podem mais. Crianças gostam de correr, andam pra lá e pra cá, ignoram aquela história do “não saia daí, tá?”. Antes, elas tinham alguma facilidade de encontrar a barraca dos pais. Agora, esta possibilidade acabou. Os pais não podem mais tirar os olhos delas. Pior é a situação de quem, além de criança, é míope — o mais razoável talvez seja amarrá-lo à barraca.
A praia carioca sempre foi marcada pela diversidade, um local de encontro de pessoas de várias origens. Ao contrário do que ocorre em outras cidades do País, uma saudável mistura continua a dar o tom da nossa orla, lugar de ricos e pobres, de cariocas e turistas. O mosaico formado pelas barracas de diferentes cores ilustrava a convivência, ajudava a dar o tom de uma praia que é de todos. Claro que, com o tempo, as barracas multicoloridas voltarão a ocupar seu espaço, mas, até lá, crianças e míopes vão continuar a penar para encontrar seu lugar ao sol. A prefeitura, responsável pelo vacilo inicial, bem que poderia dar uma força e apressar a mudança, de preferência, ainda neste verão.
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