Na Flip – Talese e Lobo Antunes
Por Fernando Molica em 03 de julho de 2009 | Comentários (0)
Já escrevi no blog sobre a convivência entre o jornalista e o escritor, o tal do teclado que nos une e nos separa. Ontem, aqui em Paraty, acompanhei as entrevistas coletivas de dois grandes craques – e, admito, ídolos: o jornalista americano Gay Talese e o romancista português António Lobo Antunes. Dois ótimos encontros.
A conversa com o Talese foi emocionante. Aos 77 anos, o sujeito ficou de pé durante mais de uma hora, falou com muito carinho e entusiasmo de seu trabalho, do seu jeito de apurar. Na era da internet, em que mesmo estudantes de jornalismo adoram mandar questionários por e-mail, o cara repetia que o repórter “tem que estar lá”, tem que ir atrás do fato, de seus personagens. “Não vá ao Google, vá aos locais”, insistiu.
Elegantíssimo, filho de um alfaiate, Talese deu outros dois bons conselhos para os jornalistas presentes à entrevista: seja educado e esteja sempre bem vestido. Afinal, de uma forma metafórica ou não, repórteres sempre batem à porta dos outros e é preciso deixar claro que quem está ali não é um “ladrão ou alguém que vá pedir dinheiro ao entrevistado”, concluiu.
Já Lobo Antunes é cáustico, irônico. Faz um certo ar blasé, de quem não está muito aí para festivais literários, para encontros com jornalistas. Mas é outro que esbanja entusiasmo pelo que faz, seu ofício é exercido com seriedade e disciplina. Fez uma bela defesa dos livros e da leitura e não poupou elogios a escritores brasileiros como Paulo Mendes Campos, João Ubaldo Ribeiro e José Cândido de Carvalho. Ao longo da entrevista, soltou várias frases de efeito – algumas irônicas, outras melancólicas:
. “Não há doenças, há falta de educação da natureza” (ele é médico);
. “Quem tem que ser inteligente é o livro, não o escritor. Se livros fossem publicados anonimamente poupavam-se muitos problemas”;
. “Os livros que gosto foram feitos só para mim”;
. “Escrever é empurrar nuvens para fazê-las chover em sua propriedade”;
. “A morte de livros me dói mais do que a morte de algumas pessoas, como políticos e banqueiros. É claro que algumas mortes me doeram muito, como a de Garrincha”.
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