Na Gávea, o branco no preto
Por Fernando Molica em 29 de junho de 2015 | Comentários (0)
Estação Carioca, O DIA, 22/6.
As imagens exibidas pela Globonews sobre episódios ocorridos diante do Shopping da Gávea mostram como o racismo é mantido e renovado graças à cumplicidade e ao estímulo de muita gente. Um policial civil aponta sua arma para adolescentes negros ajoelhados na calçada — jovens que haviam se envolvido numa briga que começara num ônibus e se estendera pela calçada. Ao fundo, alguém grita: “Mata! Mata!” Ao fazer isso, o sujeito infringiu o Artigo 288 do Código Penal, que pune a incitação ao crime. Mas o sujeito não foi preso, assim como outro que, como relatou a reportagem do DIA , urrou: “Isso é raça ruim!”
Surge então um homem branco, meio idoso, que dá uma pisada nas costas do rapaz e tenta agredir um segundo adolescente. Comete, então, o crime de lesão corporal grave, Artigo 129 do Código Penal. Mas o policial ignora o flagrante e não prende o criminoso — atropela, assim, o Artigo 319 do Código Penal, que trata de prevaricação: “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.”
Pelo que li, o delegado do caso não indiciou o policial que prevaricou. Cometeu, portanto, o mesmo crime, e ainda poderia ser enquadrado por condescendência criminosa (Artigo 320, “Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo”).
No fim das contas, os três jovens negros foram apreendidos e levados para a delegacia. O pai de um deles foi indiciado — para proteger seu filho, ele agredira outro jovem envolvido na briga. Como no velho filme, foram detidos os suspeitos de sempre.
Alguém poderá dizer que não houve racismo, apenas um mal-entendido gerado pela paranoia da violência. OK, então invertamos a cor da pele dos protagonistas. Imaginemos que os jovens brigões fossem brancos — será que o policial apontaria uma arma para eles? Algum cidadão da Gávea iria sugerir que os adolescentes fossem eliminados ou diria que eles eram de uma “raça ruim”? Você tem dúvida de que seria preso em flagrante o negro que desse uma pisada em um dos detidos? Por último, nenhum dos jovens seria, nos jornais e TVs, chamado de “menor” — esta qualificação é reservada para adolescentes negros e pobres, culpados ou não.