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Na ‘Ilustríssima’, o umbiguismo da literatura brasileira


Por Fernando Molica em 02 de setembro de 2012 | Comentários (0)

Muito interessante a análise que o Luís Augusto Fischer faz hoje, na Ilustríssima (‘Folha de S.Paulo’), sobre os textos publicados na edição brasileira da ‘Granta’ ( ver resumo em http://sergyovitro.blogspot.com.br/2012/09/letras-em-numeros-luis-augusto-fischer.html ). Os comentários, guardadas as preocupações de praxe, podem servir para a maior parte da produção literária brasileira contemporânea. Ele procurou fazer uma avaliação bem objetiva do material; isto, a partir de da
dos como os temas abordados pelos autores (há também informações sobre origem e formação sobre cada um dos escolhidos, todos com até 40 anos). Fischer também compara a produção da ‘Granta’ com a publicada em antologias editadas em 2000 (‘Os cem melhores contos brasileiros do século’) e 2001 (‘Geração 90 – manuscritos de computador’).

Algumas conclusões sobre os 20 textos da revista são impressionantes: em 50% há presença de escritores como personagens centrais; 60% têm, no centro dos enredos, relações de filhos ou pais ou mães; 55% contêm “citações ou alusões cultas, da moda intelectual”. Fischer conclui que “não há empenho em aproximar do escrito as modalidades de fala popular”.

Outros dados: dos 20 contos, “seis ou sete podem ser enquadrados no campo da autoficção”, “Onze têm narradores em primeira pessoa, testemunhais”, “90% dos personagens relevantes se encontram nas classes confortáveis (da classe média-média para cima (…) )”, 55% dos contos apresentam cenas passadas fora do Brasil. Estas características não apareciam, ou apareciam de forma bem menos significativa, nas outas duas antologias.

A matéria da Ilustríssima fala por si, mas é impressionante constatar – e aí não faço qualquer juízo de valor temático – como a ‘Granta’, na prática, mostra uma vitória daquilo que se costuma chamar de umbiguismo, a tendência de se falar apenas de si. Lembro que há alguns anos tento, sem muito sucesso, rechaçar a ideia de que a literatura brasileira estaria presa, em sua maior parte, ao cenário da favela (comentário que, de um modo geral, carrega um juízo de valor). Acho que agora terei mais argumentos. O amigo Marcelo Moutinho, por sua vez, se ressente de temas ligados à baixa classe média.

Insisto: livros não são bons ou ruins porque tratam deste ou daquele tema, desta ou daquela classe social. Ainda não li a ‘Granta’, não posso falar nada sobre os textos, alguns deles produzidos por autores que respeito muito. Mas confesso um certo assombro com os dados citados pelo Fischer. Sempre achei que a literatura, assim como as artes de um modo geral, ajuda na compreensão do outro, permitem algum tipo de diálogo entre diferentes. Ao contrário do jornalismo – preso a uma lógica moralizante e conservadora -, a literatura possibilita melhor a compreensão daquele que desconhecemos e, em alguns casos, daquele que odiamos ou tememos.

Claro que o recorte da ‘Granta’ não é definitivo, não define nem abraça toda a produção contemporânea de qualidade. Mas a seleção permite uma reflexão sobre até que ponto estamos conseguindo dialogar com uma sociedade tão complexa quanto a nossa, até que ponto estamos com dificuldade de nos aproximarmos dos diferentes, dos feios, sujos e malvados – para citar aquele ótimo e velho filme italiano.

Não sou tão radical quanto o Fischer, cada autor tem o sagrado direito de escrever sobre o que bem entender, mas acho que os parágrafos finais da matéria merecem uma boa discussão:

“A ‘Granta’ parece ter fotografado um momento cosmopolitizante, antipovo e autorreferente, na geração mais nova, que surfa num mercado muito mais maduro do que jamais foi, em todos os níveis, na renda, nos circuitos de difusão, no consenso da importância da leitura.

“Olhando panoramicamente, duas linhas se mostram. Uma convergente: a economia brasileira de fato se volta para fora, como um “global player”, e a nova geração se afina com isso.
Outra divergente: a nação segue chafurdada em mazelas, como por exemplo a corrupção sistêmica, para não mencionar as enormes desigualdades sociais já quase invisíveis de tão antigas, mas a nova geração parece passar ao largo disso.”

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