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PONTOS DE PARTIDA, O BLOG DO MOLICA

Nei Lopes


Por Fernando Molica em 13 de março de 2009 | Comentários (6)

Não sei já falei aqui da minha admiração pelo Nei Lopes. Craque, titular absoluto no universo da música brasileira, autor de versos criativos, cheios de ginga e poesia. Confesso: não consigo entender como seus discos não são campeões de venda. Na minha lista dos Dez Mais, o “Samba do Irajá” tem lugar cativo – virou até parte da trilha do “Bandeira negra, amor” (como já disse, meus livros costumam ter trilhas sonoras). Esse trechinho abaixo é particularmente belo e doloroso:

Sensação de na verdade
não ter sido nem metade
daquilo que você sonhou

Eis que outro dia, ouvindo o último CD do Arlindo Cruz, encontrei a faixa-título, “O sambista perfeito”. Samba bonito, letra simples, versos que trazem um lirismo contido, cheios de ótimas sacações. Fui conferir o autor da letra. Claro, Nei Lopes na cabeça. Aí vai ela (o trecho que fala em Paulinho/Martinho/Zeca Pagodinho é particularmente brilhante):

O sambista perfeito devia nascer com a luz de Candeia
Que animava o terreiro em noite de chuva ou de lua cheia
E ainda ser valente sem dar bofetão, cabeçada ou rasteira
Mas brigar pela arte, a parte melhor de Geraldo Pereira

Elegante do jeito Paulinho
Cativante do jeito Martinho
Ser malandro e contagiante do jeito Zeca Pagodinho

Orfeu intuitivo, senhor e cativo nas artes do amor
A vida aventureira e no bolso a carteira de trabalhador
Um lenço muito bem perfumado
O sapato de cromo engraxado
O sambista completo devia ser neto dos antigos bambas

Mente aberta no corpo fechado
Contra plágio, pedágio e muamba
O sambista perfeito devia ser feito à imagem do samba

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Comentários
22 de março de 2009

Rapaz, não sabia disso não. A música ganha um novo sentido. Abração. Molica

Fernando Molica
21 de março de 2009

Molica, não sei se já sabes do que vou escrever aqui, mas o samba do Irajá não foi feito exatamente para o bairro suburbano. No samba, Irajá é a representação do velho Luiz Braz Lopes, pai do tio Nei, que chegou no Irajá no início do século XX. Então, quando lemos os versos que você destacou sabendo disso, a poesia fica ainda mais bela, assim eu vejo. O mestre tem muita coisa bonita. Abraços!

Diego Moreira
17 de março de 2009

Caríssimo, concordo com você. Acho que o Nei Lopes é um compositor espetacular, tem grandes sacadas, bom humor, talento poético. Insisto: não entendo como suas músicas não fazem grande sucesso (a menos em casos excepcionais, quando entram em trilha de novela). Também respeito muito as reflexões do Nei sobre questões relacionadas ao negro, ainda que reconheça uma impossibilidade de separar, digamos, o preto do branco. Mas é aquela história: o branco sabia (sabe) quem era preto na hora de discriminar, né? Quanto à Rio Branco, também acho um equívoco: o processo histórico levou os desfiles para o Sambódromo, criou as superescolas de samba S.A. Mas nada impede que outras escolas façam outros tipos de desfiles. abs.

Fernando Molica
17 de março de 2009

Molica, também tenho curto muito o trabalho do Nei Lopes. Acho fantástico empenho dele em produzir um reflexão sobre as manifestações negras em busca de um dado genuíno, não contaminado pelas estruturas hegemônicas. Claro, tal pesquisa é um tanto quanto delicada. Não é possível, penso eu, delimitar uma cultura, seja ela negra ou branca, em sua forma pura. Mas o empenho, o desejo de afirmar-se enquanto grupo, é salutar. Só uma crítica é necessária expressar. Quando o Nei propõe a volta dos desfiles para a Rio Branco. Há, ao meu ver, um equivoco. Clarmar por um retorno às formas passadas - lidas como não contaminadas por ordens políticas, sociais e de poder exteriores - é o abandono de diferentes conquistas, deixando um espaço que pode ser utilizado em um sentido crítico. Crítica semelhante é possível fazer aos que são contrários a Cidade do Samba. Não é melhor para o profissional do samba ( da costureira do morro ao artista plástico do asfalto) um espaço estruturado para montar o espetáculo? De fato as escolas de samba hoje é quase opostas ao passado, na longuíngua década de 40,50,...; mas, como não é possível voltar no tempo, utilizamos a configuração atual para construir um espaço de resistência dentro do terreno dado. Tais debates só favorecem uma compreensão mais de nossa cultura, nosso samba, e as estruturas de poder contidas.

Paulo
13 de março de 2009

Muitos nomes importantes da nossa cultura, especialmente do samba, só são lembrados quando um artista famoso os projeta. Por um lado, é uma pena que haja tal dependência. Mas, por outro, é uma bênção que Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Marisa Monte e outros tomem a iniciativa de mostrar ao público o valor de grandes compositores. Pena que nem sempre eles são citados - principalmente em algumas rádios, que nem sequer falam o nome da música, menos ainda o dos autores.

monica bernardes
13 de março de 2009

Salve, Molica! Cara, admiro o Nei Lopes também desde sempre. As parcerias dele com o Wilson Moreira são obras-primas de todo esse jeito aí que vc falou. E além de tudo isso, é um pesquisador-escritor da cultura negra etc (o dicionário afro-brasileiro é uma obra de envergadura e importância imensas) e tem um livrinho chamado Sambeabá que é um achado. Enfim, viva Nei Lopes!! E vamos marcar um chope, camarada...

Eduardo Carvalho