Nelson Cavaquinho e os rubro-negros
Por Fernando Molica em 04 de dezembro de 2009 | Comentários (3)
Diante da possibilidade de o Flamengo conquistar o campeonato brasileiro, reproduzo trecho de O ponto da partida em que Ricardo Menezes, o protagonista, critica a obsessão rubro-negra por vitórias; a compara com a lógica de vida de seu ídolo maior, Nelson Cavaquinho. O livro não diz, mas acho que o Menezes é torcedor do Bangu – isso ajudaria compor sua visão crítica e desencantada do mundo.
“Parece bobo dizer isso. No fundo, é mesmo. Meio chavão, lugar-comum, brega. Se fosse um texto, eu vetaria, não publicaria de jeito nenhum. Mas isso aqui é conversa de
bar, não é jornal, não é livro, posso falar o que quiser. Preste atenção. Nelson Cavaquinho, ele, os sambas que ele compôs, abrem e fecham capítulos da minha vida. Não faça essa cara, sei que a frase não é das melhores. Mas é assim mesmo. Tem a ver com Nelson, com as músicas dele. Vocês, rubro-negros, não entendem isso. Ficam naquela tentativa idiota de vencer, vencer, vencer. Coisa chata, previsível, sem graça, parece time de vôlei do Bernardinho, o escritório daquela minha ex. Pior é que volta e meia acabam perdendo, ficam frustrados porque não venceram, venceram, venceram.
A vida não é assim, na vida a gente se fode mais do que vence. No Campeonato Brasileiro, por exemplo: são quantos times? vinte? vinte e quatro? Pois é, se são vinte,
são sempre dezenove contra um. No fim, um ganha e dezenove perdem. O número de perdedores é sempre maior. É claro também que o um, o vencedor, vai, ao longo dos anos, perder mais do que ganhar. Pode vencer campeonato, ser vice, conquistar aquela taça com nome de carro que vocês ganharam no Japão. Pode ser bi, tri, tetra. Mas, no fim das contas, vai sempre estar no prejuízo. O número de títulos perdidos vai ser sempre maior do que o de títulos ganhos. É matemático, científico, irrecorrível. Aí vocês ficam elogiando esses merdas desses artistas que querem vencer, vencer,
vencer. Que morrem de medo de sair de moda, que lançam disco novo todo ano, que se reciclam, que se atualizam, que param de beber, ficam saudáveis, que não têm barriga. Bando de merdas. O Nelson não tinha nada disso, sempre viveu ferrado, sempre tomou porrada, sempre se lixou pra essa porra de mercado. Tava com fome? Vendia um samba, o dono do boteco virava parceiro porque deixou o Nelson comer de graça. O cara foi o compositor mais generoso da música brasileira. Tem parceiro dono de boteco, de puteiro, gerente de hotel vagabundo, de espelunca. Os herdeiros desses caras devem estar até hoje orgulhosos: papai foi parceiro de Nelson Cavaquinho. É, parceiro: entrou com o bife, com o quarto, com a puta.(…)”.
Flamenguistas acham que o verbo vencer é uma justificativa, e não um objetivo. Ora, uma coisa se refere ao que passou-se; a outra, ao que virá. O raciocínio previsível tira a graça de qualquer disputa, porque também o é a vitória. Perder é mais do que ganhar porque se vale da imprevisibilidade do jogo. Como disse aqui em outra ocasião, não saber ganhar é uma derrota a conta-gotas: invisível. (Já tinha lido o livro e sou fã do Ricardo desde então.) Forte abraço, meu amigo
Bruno QuintellaObrigado, meu caro. E parabéns para nosostros que, depois de tanto sufoco, escapamos da segundona. Abração.
Fernando MolicaExcelente. Já tinha lido no livro. Mas é sempre bom repetir a lição. Parece óbvio, mas os mais jovens esquecem: outro dia o Luiz Mendes, mais de 80 anos, dizia que muito mais importante que um título é a campanha, como as da Hungria (1954), Holanda (1974), Brasil (1982) e a arrancada final do Fluminense (2009). Os exemplos são do próprio Luiz Mendes. Abraço
Claudio Renato