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Neymar é junior


Por Fernando Molica em 13 de junho de 2016 | Comentários (0)

Ao xingar preventivamente os supostos críticos da seleção, Neymar – aquele jogador acusado de fraudes fiscais no Brasil e na Espanha – demonstra mais uma vez a razão de estampar nas camisas um “Junior” ao lado de seu nome. Ele, como ressalta o complemento, é apenas um menino mimado, cheio de si e que se acha acima de qualquer crítica ou lei. Um menino que sai em defesa dos coleguinhas que deram vexame outra vez.

Em 2014, depois do 7 a 1, o Joaquim Ferreira dos Santos fez um texto espetacular, ‘O fim de Tóis’, em que apontava a infantilidade de nossos jogadores, meninos que brincavam de jogar na seleção, que se julgavam predestinados à vitória:

“Não treinavam. Tinham a força, a espada de Grayskull, o grito de Shazan, o apito do japonês, o licor de jurubeba e o pó de pirlimpimpim. Na hora agá, resolveriam.” Como se sabe, não resolveram.

Quase todos os jogadores da seleção foram muito pobres na infância. Desde que descoberta a intimidade que tinham com a bola passaram a encarnar o sonho de rendenção de suas famílias. Foram adolescentes privados de muitos prazeres – pela falta de grana e pela necessidade de levar uma vida compatível com a de um atleta. O foco na carreira é tamanho que, de um modo geral, a escola acaba sendo tocada apenas para cumprir tabela.

Ao contrário do que ocorre em países mais decentes, e apesar das mudanças ocorridas nos últimos anos, por aqui o esporte ainda é uma das poucas alternativas capazes de fazer com que um jovem de família pobre possa ter uma vida melhor. Muitos dos poucos que conseguem jogar em grandes clubes acabam descontando, na vida adulta, as limitações que passaram na infância e na juventude. Podem, enfim, brincar – têm grana, prestígio, poder, não devem satisfações a ninguém.

Tanta grana, tanto prestígio e tanto poder acabam sendo vividos por uma perspectiva muito egocêntrica, como lhes ensinaram olheiros, empresários e dirigentes – é cada um por si, o que vale é o brilho individual, o “sou eu e mais dez”. E tome necessidade de brilhar, de aparecer, de se destacar para além do uniforme, de ressaltar que, Jesus Cristo, eu estou aqui, veja só minhas chuteiras coloridas, minhas tatuagens, meus cabelos esquisitos, minhas sobrancelhas trabalhadas, meus louvores, minha fé. Uma fé que, de tão grande, dispensa treinamentos, táticas, jogo coletivo – que há de, sozinha, remover cabeças de áreas, zagueiros e goleiros adversários. É nóis, é tóis.

Meu querido e pra lá de saudoso amigo e compadre Sérgio Costa me chamou a atenção para uma entrevista ao ‘Correio’, depois da Copa de 2014, dada pelo zagueiro Dante, então no Bayern de Munique, O repórter perguntou o que seria importante para reformular nosso futebol. Resposta:

A escolaridade é muito importante. O futebol tem tudo a ver com educação. Quando se fala de uma tática de futebol, divisão de espaço em campo… Tem muita coisa que o treinador fala que depende da clareza do jogador. Lá eles investem. Fica a grande dica.

“É fácil entender Guardiola?”, perguntou o repórter. Dante respondeu:

Ele é um professor taticamente. Ele não explica o futebol de uma forma muito fácil, muito clara. Se você não tiver clareza na cabeça, não vai entender nada. Ele explica matemática: dois contra um, três contra dois… Sempre trabalha taticamente para ter superioridade de um lado do campo. Trabalha muito com a cabeça do jogador, com a inteligência. Muito diferenciado.

Nossa tática aqui é outra, é como se o talento – com brasileiro não há quem possa – fosse suficiente para driblar tudo o que se exige de um time de primeira linha. É como se fôssemos capazes até de superar também a roubalheira profissional dos dirigentes amadores.

Cobranças são vistas como indevidas, inadmissíveis, um constrangimento aos meninos do Brasil – adoramos chamá-los de meninos. Meninos carentes precisam de pais fortes, repressores, durões – daí o Felipão, o Dunga, daí a saudade que tantos brasileiros têm dos militares, daí o desejo que muitos têm de entregar suas vidas para o Bolsonaro. Daí que técnicos brasileiros não costumam fazer carreira no exterior (na Copa América do ano passado, três das quatro seleções semifinalistas tinham técnicos argentinos).

Nossos jogadores não são diferentes da maioria de nossos jovens, são filhos de um Brasil individualista, que estuda pouco, que acredita que a fé é capaz de tapar buracos de formação, esforço e treinamento. Um Brasil infantil, que não admite ser responsabilizado por seus próprios erros.

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