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O amor em caravanas


Por Fernando Molica em 06 de setembro de 2017 | Comentários (0)

É mais do que razoável que ‘As caravanas’ seja a canção mais comentada do último CD do Chico Buarque – é forte, impactante, mexe numa ferida social, remete à carreira do compositor de tantas músicas de protesto. Mas, apesar de dar nome ao disco, esta é quase uma faixa solitária em uma quase coletânea de canções de amor.

É preciso ter coragem para, aos 73 anos, tocar no tema sem parecer ridículo, piegas ou saudosista. Num tempo de certezas, de intolerância, de masturbações públicas e ejaculações perdidas, Chico, mais uma vez, surpreende ao apresentar jeitos e ângulos inéditos para falar do mais velho de todos os temas. Mais, alinha três canções em que abre mão da lógica do pegador para confessar uns tantos fracassos amorosos.

De cara, derrama-se em ‘Tua cantiga’ – não tem o menor pudor de mandar versos como ‘Basta soprar meu nome/ Com teu perfume/ Pra me atrair”. Fala em pisar em plumas, promete alcançar a amada em qualquer lugar e ainda faz uma remissão a ‘Futuros amantes’ ao pedir que, lá na frente, quando ele não estiver mais aqui, a amada não deixe de se lembrar daquela cantiga de amor.

Em ‘Blues pra Bia’, fala de uma moça que não gosta de meninos. Nada de censurá-la, qual o quê, o narrador admite até virar menina para namorá-la. Na canção seguinte, fala de uma moça que só existe em devaneios, na esperança de ter um confuso casarão onde sonhos seriam reais e onde ela reinaria. “E uma cama onde à noite/Sonhasse comigo/ Talvez” – quer, mais do que tudo, ser amado. Repare que, até aqui, os narradores não pegaram ninguém. Na primeira música, a mulher está com outro; na segunda, com outras; na terceira, o alvo da paixão sequer existe.

O amor só se realiza em ‘Dueto’, uma canção quase infantil, que remete a promessas feitas por pré-adolescentes que buscam nos astros – nos evangelhos, nos orixá – a certeza de uma relação que se pretende eterna. Mas os protagonistas da valsinha crescem depressa, e, diante de uma possível ameaça, tratam de mandar para o espaço todos os supostos fiadores de sua paixão, sabem que cabe apenas a eles construir a própria história.

Uma aventura como a da faixa anterior, que trata de um outro tipo de amor. Nela, um menino ansioso crescer, para largar a mão do pai, pergunta, num rasgo de medo, onde o chão acaba e principia toda a arrebentação. Uma jogada de risco, assim como amar uma moça comprometida, uma outra que não gosta de rapazes e uma terceira que sequer existe. Nunca se sabe o tamanho do abismo que existe atrás de cada onda, de cada paixão, em Massarandupió e em qualquer outro lugar. É preciso ir lá conferir, mesmo que, para isso, tenhamos que largar a mão que por tanto tempo nos segurou e guiou.

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