O assalto em Viracopos e o caminhão do Lamarca
Por Fernando Molica em 17 de outubro de 2019 | Comentários (0)
O uso, no assalto ocorrido no Aeroporto de Viracopos, de um carro pintado como os da Aeronáutica remete a um episódio de janeiro de 1969 que desencadearia a perseguição à VPR, grupo guerrilheiro que atuou no país durante a ditadura. O plano previa o roubo – expropriação, na linguagem então usada – de centenas de fuzis do Exército e ataques a locais como o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista.
Para entrar no quartel – onde servia o capitão Carlos Lamarca -, os guerrilheiros utilizariam um caminhão roubado, que, levado para um sítio, seria pintado de verde-oliva e ganharia os símbolos do Exército. A movimentação de homens envolvidos na clonagem chamou a atenção de um garoto. Ele foi ver o que se passava, e levou passa-fora do pessoal da VPR. O menino reclamou com os pais, e a história chegou aos ouvidos da polícia. O plano foi descoberto, o roubo dos fuzis acabou antecipado, numa operação feita às pressas.
Cheguei a citar o episódio no livro-reportagem ‘O homem que morreu tres vezes”, que trata de um personagem até então obscuro, o advogado Antonio Expedito Carvalho Perera:
“O armamento que permitiria o soar das explosivas trombetas revolucionárias seria retirado, nos dias 25 e 26 de janeiro, do quartel do 4º Regimento de Infantaria de Quitaúna, em Osasco, na região metropolitana de São Paulo. Lá, a VPR estruturara um núcleo em torno do capitão Carlos Lamarca,do sargento Darcy Rodrigues, do cabo José Mariane Ferreira Alves e do soldado Carlos Roberto Zanirato — todos desertariam do Exército com as armas expropriadas. Depoimentos arquivados no STM revelam que, desde meados de 1968, munição de Quitaúna vinha sendo desviada e entregue para Rodrigues, líder de um grupo de discussão política no quartel. O sargento acabou sendo o responsável pela aproximação de Lamarca, até então um simpatizante do PCB, dos grupos que formariam a VPR.
As armas, entre elas 563 fuzis automáticos leves (FAL),73 seriam transportadas em um caminhão roubado, um Chevrolet fabricado em 1961, placa 74-45-21, que pertencia à Transportadora Radar. O caminhão fora levado para um sítio em Itapecerica da Serra, a 30 quilômetros de São Paulo, ondeseria pintado de maneira a ficar semelhante aos utilizados pelo Exército brasileiro. O veículo acabou descoberto dois dias antes da data prevista para a deserção. Acabaram presos Hermes Camargo Batista, Ismael Antônio de Souza, Oswaldo Antônio dos Santos e Pedro Lobo de Oliveira. A apreensão do caminhão marcou o início do inquérito que resultaria no processo contra a VPR. O delegado Wanderico de Arruda Moraes registrou que, além do caminhão, foram encontrados papel para “fazer bombas”, cadernetas de telefones pertencentes a Pedro Lobo de Oliveira e a Oswaldo Antônio dos Santos, uma folha com “abecedário em código” e anotações que seriam utilizadas para a fabricação de projéteis.
A queda do caminhão forçou uma antecipação dos planos de fuga do quartel e o cancelamento da pirotecnia revolucionária. Era impossível prever por quanto tempo os presos resistiriam à tortura, tinham sido pegos com uma prova irrefutável, um caminhão sendo pintado de verde-oliva e com os
símbolos do Exército. No dia seguinte, 24 de janeiro, Lamarca, Rodrigues, Mariane e Zanirato deixam o quartel em uma Kombi — dentro dela, as armas que conseguiram amealhar: 63 fuzis, cinco metralhadoras, revólveres e
munição. Na pressa, se deram conta de que não tinham para onde ir. Começaria aí a sucessão de trocas de esconderijos que culminaria com diversas prisões, inclusive a de Perera.”