O baião de dois Gonzagas
Por Fernando Molica em 18 de dezembro de 2012 | Comentários (0)
Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 21/11:
Você já foi ver ‘Gonzaga – de pai pra filho?’ Não? Então vá. Ao abordar a delicada e tensa relação entre Luiz Gonzaga e Gonzaguinha, o diretor Breno Silveira construiu uma bela história sobre a dificuldade de se estabelecer vínculos mesmo entre pessoas que se amam. Pai e filho passam boa parte do filme se revezando no papéis de touro e de toureiro, atacam e se defendem com igual força e determinação. Como na música de Gonzaguinha, vão, de peito aberto, sangrando histórias de abandono, renúncias e frustrações. Dores que amargam que nem jiló.
O roteiro de Patrícia Andrade utiliza aquela que seria a definitiva conversa entre pai e filho como mote para a apresentação da vida e da construção da obra de Gonzaga-pai. Há até uma justificativa dramática para o recurso — o próprio Gonzaguinha tratou de gravar boa parte do encontro, uma violenta quase sessão de análise em que um parece prestes a jogar um divã virtual na cabeça do outro.
Ao apertar as teclas play e rec daquele gravador cassete, Gonzaga-filho antecipou o grito de “Ação!” que, décadas depois, marcaria o início das filmagens. Esse é um dos muitos méritos do longa-metragem: ao dar voz aos protagonistas — dois grandes contadores de histórias em suas composições –, o filme adquire uma narrativa cúmplice em relação aos personagens.
‘Gonzaga’ permite um reencontro com muitas canções que, de diferentes maneiras, marcaram nossa relação com o País. É emocionante ver como Gonzaga-pai incorpora um Nordeste ao mesmo tempo sofrido, lírico e esperançoso, sentimentos que se fundem em ‘Asa branca’, talvez a mais doce de todas as músicas de protesto.
Vestido de vaqueiro, armado de uma sanfona, ele nos fez íntimo de um pedaço de nós mesmos, refez, em música, a brusca transição entre o rural e o urbano de nossa história. Gonzaga-filho fez um percurso quase oposto, não havia qualquer doçura em suas primeiras canções, panfletos diretos e explícitos; pedradas que não admitiam complacência com um comportamento geral que, de alguma forma, julgava cúmplice de suas desventuras.
Não há bandidos ou mocinhos na história, mas o contraponto da secura de um pai com o rancor de um filho; artistas que se julgam abandonados e que tentam construir uma convivência. Ao se reconciliarem, eles revelam que um encontro quase é sempre possível.