O banco de Galileu
Por Fernando Molica em 29 de outubro de 2010 | Comentários (0)
Uma boa história, que me foi contada por Leonardo Boff, em sua casa nos arredores de Petrópolis, dias depois de o cardeal Joseph Ratzinger ter sido eleito papa. Em 1984, Boff, teólogo e, na época, frade franciscano, foi chamado à Roma para um colóquio com o cardeal Ratzinger, então responsável pela Sagrada Congregação da Doutrina da Fé, sucessora do Santo Ofício. Na pauta do encontro estava o livro ‘Igreja, carisma e poder’, condenado por uma investigação feita na Arquidiocese do Rio, comandada por Dom Eugenio Sales.
A questão principal não estava relacionada às tendências socializantes da então badalada Teologia da Libertação. O que incomodava a Igreja era a proposta de mudanças na estrutura de poder da instituição. Boff propunha o resgate de tradições eclesiásticas, o poder deveria emanar dos fiéis e não da hierarquia. No início da Igreja, ressaltava, os bispos eram eleitos pelo povo.
A Igreja até admitia os ventos que sopravam da esquerda. Mas não suportava o questionamento de seu poder. Por isso, Boff foi chamado a Roma. Com ele embarcaram dois cardeais franciscanos, Paulo Evaristo Arns e Aloísio Lorscheider, homens que, durante a ditadura, souberam honrar seus compromissos com a fé, com o cristianismo e com a justiça.
Ao chegar ao local do interrogatório, Boff interrompeu Ratzinger que, depois dos cumprimentos de praxe, queria iniciar seu questionamento:
– Cardeal: no Brasil, em momentos como este, costumamos, antes, fazer uma oração. Gostaria de convidá-lo a rezar um Pai Nosso.
Constrangido, Ratzinger iniciou a oração. Depois, apontou o banco em que Boff deveria sentar-se, o banco que, ao longo de muitos séculos, servira de apoio aos interrogados pelo poder da Igreja. O frade menor fez uma nova e cortante provocação:
– É uma honra sentar-me no mesmo banco onde já se sentaram Galileu Galilei e Giordano Bruno.