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O barulho dos invisíveis


Por Fernando Molica em 01 de maio de 2014 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 28/4:

Há algumas décadas, as favelas cariocas eram bem mais visíveis. Na Zona Sul, Catacumba, Praia do Pinto, Pasmado e Macedo Sobrinho ficavam diante dos olhos de todos. Não me lembro delas, todas foram arrasadas há mais de 40 anos. Mas vi as palafitas que pontuavam o caminho até a Ilha do Governador. A lógica de remoção varreu favelas e seus moradores para longe, em geral, para debaixo do tapete de uma então ainda mais distante Zona Oeste. Como diz o antropólogo e pandeirista Marcos Alvito, o verbo remover só é usado para favelas, lixo e cadáveres. Mandar os pobres para longe e abrir caminho às construtoras foi o jeito encontrado por governos na tentativa de fingir que resolviam um problema.

Agumas favelas ainda se impõem na paisagem, como a Rocinha, o Borel, as que formam o Complexo do Alemão. Outras ficaram meio escondidas pelo crescimento dos prédios ou pela colocação de barreiras, como as existentes na Linha Vermelha. A ocultação facilitou a tarefa de tentar esquecê-las, ignorá-las. Volta e meia alguém falava em urbanização, mas as propostas não saíam do papel.

Mas lá pelo início dos anos 80 do século passado, o comércio de cocaína, droga de maior valor, mudou o varejo do tráfico. Vieram as armas pesadas, a luta por domínio territorial, o funk. Os sucessivos embates entre traficantes e entre estes e a polícia quebraram a relativa paz entre morro e asfalto. As favelas e seus moradores ressurgiram, seus problemas passaram a não respeitar os limites dos morros, as balas começaram a se perder em edifícios de nomes estrangeiros. As guerras, afastaram investidores, atrapalharam o trânsito e os negócios.

Foi preciso incomodar o asfalto para que favelas voltassem a ser lembradas. Chegaram algumas melhorias, projetos de urbanização, teleféricos, UPAs e UPPs. Mas os investimentos, importantes, ainda estão muito aquém do necessário. O abismo entre os que vivem dentro e fora das favelas é assustador, basta comparar dados da Rocinha com os da vizinha Gávea, é como se a Etiópia fizesse fronteira com a Alemanha. Tamanha desigualdade volta e meia explode, não é preciso exagerar na faísca diante de tanta pólvora acumulada. Os motivos são muitos, falta de moradia, um novo caso de violência policial. De vez em quando, os invisíveis mostram a cara, e o fazem de jeito escandaloso, agressivo, torto como as vielas e becos das favelas. Sabem, por experiência própria, que só assim serão ouvidos, que o importante é fazer um barulho que não deixe ninguém dormir.

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