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O bassê do tráfico fez piu-pui


Por Fernando Molica em 16 de novembro de 2011 | Comentários (4)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA,16/11

A relativa facilidade com que o poder público tem ocupado favelas dominadas por traficantes reforça que esta atitude deveria ter sido tomada há muito mais tempo. Não é simples montar operações como as implementadas no Alemão e na Rocinha, mas organizá-las não era impossível. A criação das UPPs mostrou que a inviabilidade de se expulsar o tráfico armado das favelas era apenas um mito propagado pela preguiça de alguns e pelo interesse dos muitos que lucravam com a situação. As operações comprovam: era impossível que um domínio como aquele pudesse ser conquistado e mantido sem a conivência e participação de agentes públicos.

Traficantes — na grande maioria, varejistas sem contatos com o narcotráfico internacional — tiveram força enquanto foram úteis para setores do poder. E aí não dá para falar apenas da polícia. Políticos também souberam usufruir da situação nas favelas, foram cúmplices no estabelecimento de uma nova versão de um sistema baseado no clientelismo, no toma lá, dá cá — isto vale, inclusive, para áreas controladas por milicianos. As relações com os tais poderes paralelos podiam, ao menos, ser intuídas em cada campanha eleitoral.Bastava observar candidatos autorizados a fazer campanha e estender faixas em determinadas favelas. Não é absurdo crer na existência prévia de algum tipo de negociação com os traficantes locais: o jabuti do tráfico armado não subiria sozinho em todas aquelas árvores.

Não dava pra acreditar que o Estado brasileiro fosse incapaz de desalojar dezenas ou centenas de bandidos de um pedaço do território nacional. A admissão de um absurdo como esse implicaria na decretação da falência de todo o nosso sistema de segurança, aí incluídas as Forças Armadas. Um país sem capacidade de retirar bandidos de uma favela não resistiria a uma guerra com o Paraguai.

A ocupação demorou a ocorrer porque não interessava a muita gente, mas o poder dos bandidos chegou a tal ponto que ameaçava inviabilizar nossa cidade. A Copa e as Olimpíadas deram a senha para que um governo, enfim, fizesse o que vinha sendo protelado havia décadas. Tomada a correta decisão política, o resto foi mais simples, a ação se baseou num princípio muito difundido por militares — confrontado com uma força muito superior, o inimigo tende a se render. Ou, para citar Aldir Blanc num samba que fez com João Bosco, “Quando o pastor late forte/o bassê faz piu-piu”.

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Comentários
19 de novembro de 2011

Vitor, desculpe a demora para voltar à conversa. Eu também não acho que polícia resolva tudo; mas, no caso das UPPs, a polícia está exercendo sua função básica, constitucional. Concordo que a sociedade só se preocupou com as favelas na hora em que as favelas começaram a incomodar demais, a dar tiros demais. Antes, era até cômodo ter o estoque de mão de obra e de drogas perto de casa. Claro que a tal da dívida social é imensa, escandalosa, imoral. Mas não dá para resgatá-la sem que o Estado tenha controle sobre o território. Nossos mais de 500 anos de história mostram que é preciso desconfiar das boas intenções - mas não é por isso que desistiremos de uma sociedade mais justa. Não ha solução mágica, mas era fundamental impedir que bandidos tivessem o direito de matar, de estuprar, de extorquir. Claro que os agentes do Estado oferecem riscos - a milícia está aí para provar -, mas a percepção de que se troca seis por meia dúzia não pode levar ao imobilismo. No mais, tenho publicado, lá no Informe do Dia, muitas notas sobre ações de caráter social em favelas com UPPs. Nada indica que as notas sejam mentirosas, até hoje não foram desmentidas. Não me parece que essas iniciativas sejam suficientes - certamente não são -, mas talvez sejam um bom começo. abs.

Fernando Molica
17 de novembro de 2011

Prezado Fernando Molica, concordo tanto com você quanto com a Renata, sem dúvida, da forma como estava não podia ficar, mas será que estamos trilhando um bom caminho? Lembro que no Rio pós Tropa de Elite o flagelo da sociedade virou o viciado. Todo mundo apontava o dedo repetindo linha de um filme de ficção (sim, de ficção) para dizer que eram eles quem sustentavam aquilo, de repente o viciado virou o maior culpado pelo nosso caos social, contudo, os dados sobre as milícias não deixam dúvidas que o caos social está baseado no abandono do Poder Público de uma determinada área e não no que se vende ali. Será que agora vamos culpar a CEG e a NET por produzirem as principais fontes de renda dos milicianos? Ou será que o desejo humano de ter gás em casa e TV é culpado? Problemas como esse não são causados apenas pelo desejo humano, mas sim pelo abandono do Estado. Há tráfico de drogas no mundo inteiro, inclusive nos países ditos desenvolvidos (conforme você disse), mas apenas aqui e em lugares com a mesma distribuição de renda cruel que os narcotraficantes substituem o Estado. Nosso Estado é cruel, abandona o povo e quando volta a se importar com ele só traz a truculência. NENHUMA das áreas em que houve a retirada das quadrilhas de traficantes se valeu de algum programa social, ou, ao menos, tais programas não são noticiados com tanto entusiasmo. A coisa ficou apenas na base da guerra que melhora a vida dos moradores mas, como disse a Renata, não resolve o problema a longo prazo. Agora, com todos esses elogios da nata da sociedade carioca sobre as UPP's que, definitivamente, não sabe e não conhece a realidade de quem mora na favela eu pergunto: são os milicianos oriundos da polícia? Os dados sobre a milícia dizem que sim. Pertinente, assim, perguntarmos, quem habita as UPP's? Policiais também? Será que, no futuro, não trocaremos um problema pelo outro? Afinal, os "heróis do BOPE" e os blindados das forças militares não estarão realizando operações permanentemente...confesso que temo todo esse espetáculo midiático sobre as invasões, temo pela sensação de satisfação que a sociedade tem com tais invasões sem se importar com o que está sendo feito depois. Temo que estejamos trocando seis por meia dúzia. Temo que a vida dos moradores dessas áreas em muito breve volte a ficar como era (eis que a forma violenta e ditatorial de "governar" tambem é de praxe nas áreas de milícia). Temo que em nossas camas confortáveis, dormindo tranquilos por saber que um câncer de nossa sociedade começa a ser estirpado, não estejamos atentos que essa câncer está apenas se camuflando e gerando toda forma de metástase. Temo que estejamos entregando o galinheiro às raposas, conforme acontece em Brasília. Temo que o novo grupo a alçar o poder nas áreas abandonadas pelo Estado não seja o de garotos marginalizados de Nike Shox e boné e sim de homens fardados experientes, maliciosos, que por suas posições de faixada se imiscuam muito facilmente na sociedade, gerando um problema com raízes muito semelhantes à da cosa nostra. Até agora não vi absolutamente NENHUM veículo de imprensa relevante cobrando a continuidade prevista para após as invasões. Assim, temo sim, pela omissão da nata da sociedade que, após dormir tranquila sabendo que os "terroristas" foram desbaratados, não se importa ou não sabe que as pessoas que moram nas áreas agraciadas pelas UPP's continuam tendo que se deslocar quilometros para ser atendidas por um médico e continuam sem qualquer perspectiva de vida.

Vitor Mucury
16 de novembro de 2011

Renata, concordo que UPP não é solução para o tráfico - até porque a questão do tráfico não foi solucionada em nenhum país do mundo (é muito difícil controlar desejos humanos, o tráfico atende a uma demanda por determinados produtos). Mas, enfim: as UPPs têm seus limites, mas não dá para desqualificar a única iniciativa que, em décadas, apontou alguma alternativa não para o tráfico, mas para o domínio territorial armado. Este domínio é incompatível com a lógica democrática. E, convenhamos, não dá para implantar política pública, presença efetiva do Estado democrático de direito e realização de direitos básicos sem que o Estado controle o território. Não dá para admitir a ditadura - sim, ditadura - de grupos de bandidos armados sobre uma população. A UPP na Rocinha vai ajudar a melhorar minha vida, mas vai melhorar, principalmente, a vida de quem mora por lá. Há uma boa possibilidade de que isso aconteça. Acho que os pais daquelas jovens mortas no início do ano (O DIA publicou bem o caso, a primeira nota saiu no INforme) estão mais tranquilos com a ocupação. Claro que temos um histórico de abusos policiais, mas, pelo menos, agora as pessoas terão chance de reclamar dos tais abusos - com o Nem não dava, né? A quantidade de informações que o Disque-Denúncia tem recebido mostra como as pessoas de lá andavam revoltadas com o domínio da tal quadrilha. Os novos policiais não devem ser melhores ou piores que os antigos - o mesmo serve para todos os demais funcionários públicos. Acredito sim num aumento do controle social sobre a atividade de policiais, deputados, governadores, presidentes, vereadores, e por aí vai. abs,

Fernando Molica
16 de novembro de 2011

Realmente, só falta vontade política para combater o tráfico de drogas e as milícias. Mas a UPP não é a solução para tráfico. É uma medida paliativa que atende a interesses momentâneos dos megaeventos. Isso está evidente quando olhamos a localização das áreas onde são implantadas UPPs. Além disso, também fica evidente que não é prioridade para o governo combater a milícia e o crime organizado, porque estes ainda os beneficiam. Das 18 UPPs instaladas, apenas 1 foi em área controlada por milícias, no Batan. E provavelmente só foi instalada ali devido ao escândalo da tortura dos jornalistas do jornal o Dia. É insustentável manter segurança para toda a população na cidade com o nível de policiamento das UPPs (até 2 mil policias em uma única unidade). Isso no é segurança, é controle. Pode até ser uma medida emergencial, mas não resolve nada a longo prazo. O que resolve é política pública, presença efetiva do Estado democrático de direito, e realização de direitos básicos. Sem isso, não há UPP que chegue. Não podemos pensar na segurança dos ricos e classe média da cidade, temos que pensar na segurança e bem estar coletivo de todos os habitantes do Rio. E isso a UPP não faz. Por último, vale questionar: quem são esses policiais das UPPs? São mesmo capacitados para exercer essa função de policiamento e mediação nas comunidades? Ontem vi a notícia de um policial da UPP que dirigia um carro roubada com sua licença vencida, entrou na contra mão de uma rua, provocou um acidente e atirou e matou no motorista do outro carro. Se esse é o policial da UPP, o que podemos esperar?

Renata