O bloco do seu Jair
Por Fernando Molica em 14 de fevereiro de 2019 | Comentários (0)
Os mandatos de Jair Bolsonaro na Câmara foram marcados pelo isolamento. Até para conseguir se destacar em meio ao anonimato do baixo clero, ele tratou de vestir apenas a camisa do próprio bloco, o do Eu Sozinho. Desfilava opiniões que, pelo inusitado, provocavam horror em muitos eleitores e gozo em tantos outros, não buscava alianças, não participava de articulações. Ficou na confortável posição de radical que, sem amarras, podia apontar o dedo para qualquer um. Um sambista de raiz. Com isso, cultivou a imagem de independência e de honestidade – não se metia em tramoias, não fazia o velho do jogo do toma lá-dá cá, ficou à margem dos bicheiros e patronos que costumam mandar em nossos carnavais.
O figurino lhe foi essencial para, na campanha, apresentar-se como o candidato “contra tudo o que está aí”. Presidente, ele parece não ter abandonado a marca de folião solitário. Seu bloco ganhou filhos-puxadores de samba, alguns ritmistas de confiança, dois esforçados diretores de harmonia (Guedes e Moro) e diversos foliões que desfilam apenas para chamar a atenção para seus egos e fantasias (“Olha ali aquela de Menina-Rosa”, “E aquele de Caçador de Comunistas”, “Que original o folião vestido de Eu lavo meu carvalho”). Há também os seguranças, aqueles fortões de patentes altas e bigodes grossos que sustentam as cordas e tentam manter tudo nos conformes – caras que já demonstram um certo cansaço pela trabalheira.
Mas o bloco gira em torno do presidente, que manda e desmanda: reclama da bateria, diante de um escorregão, manda o mestre-sala voltar para suas origens. Levado para o alto do carro de som por dezenas de milhões de votos, Bolsonaro continua a agir isolado, como nos tempos de parlamentar. O problema é que, agora, não dá pra fazer tudo sozinho, ele precisa do apoio dos demais componentes – todos têm direito a voto nas assembleias do bloco, eles é que vão decidir o rumo do cortejo; no limite podem até interromper o desfile, como fizeram com Collor e Dilma. Jair fala grosso, não vacila ao expulsar parceiros de folia, mas corre o risco de mandar todo mundo pra casa e acabar isolado, sem samba e sem enredo, tendo sobre os ombros apenas as cinzas da quarta-feira.