O brilho intenso do meio sol
Por Fernando Molica em 02 de outubro de 2008 | Comentários (1)
A leitura de “Meio sol amarelo”, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, me despertou uma série de questões interessantes. Ainda não terminei o quase-tijolo (estou na página 330, faltam 170), mas já dá pra concluir que o livro é muito bom, diria até que é espetacular. Sei não, mas acho que algumas discussões sobre literatura contemporânea acabam deixando de lado um aspecto fundamental, como o prazer de se ler uma bela história, uma história bem contada.
Nada contra as discussões, claro. Volta e meia participo delas, tenho lá meus pontos de vista e minhas implicâncias. Mas vale insistir: não dá pra deixar de lado o prazer. Essa palavra, tão ressaltada em conversas sobre outras manifestações artísticas, acaba sendo um pouco escanteada na hora de se falar em literatura. É como se, quando associada aos livros, ela viesse quase sempre atrelada à lógica dos best-sellers, ao rame-rame adocicado que sai sempre do mesmo ponto para chegar a um destino óbvio – tudo recheado com doses equilibradas de sexo, intriga e emoções fortes. Como se texto bom fosse apenas o que fosse mais voltado para o próprio texto – a história em si não passasse de um quase-álibi que permitisse a discussão do fundamental, o próprio texto; algo como a vitória do racional sobre o emocional, como se houvesse uma briga inevitável entre os dois.
“Meio sol amarelo” escapa de tudo isso. É um romance clássico, ambientado na Nigéria dos anos 60, que acompanha a trajetória de um casal em meio ao processo de consolidação da independência do país. Luta que acaba gerando a tentativa de criação de um outro Estado, Biafra.
Em primeiro lugar vem a agradável descoberta de perceber semelhanças entre as nossas vidas e as de integrantes de uma classe média universitária de um país africano. Os protagonistas não são habitantes de aldeias miseráveis, mas professores de uma universidade. Olanna, a principal personagem feminina, é filha de um riquíssimo e corrupto empreiteiro envolvido em um sem-número de negociatas com o jovem governo. Tudo muito parecido.
No mais, o livro segue pela década de 60 com um enredo bem amarrado, com uma escrita elegante, rigorosa e contida, que não apela para truques óbvios. Comprei o livro na Flip depois de assistir à conversa com a autora – uma jovem (31 anos!) bonita, marrenta, espertíssima. Mas, lá na Flip, fiquei mesmo foi impressionado com a leitura do primeiro capítulo: a descrição da chegada de um adolescente pobre à vila onde moravam os professores da universidade é espetacular:
Nunca seria capaz de descrever para a irmã Anulika as casas pintadas da cor do céu que ficavam uma ao lado da outra, feito homens educados e bem-vestidos, muito menos a perfeição com que as sebes entre uma e outra eram aparadas – tão retas no topo que mais pareciam mesas embrulhadas em folhas.
O livro foge ao lugar-comum, apresenta uma África de um ponto de vista diferenciado, não-folclorizado (seu ponto de vista não é o de um miserável nem o de um colonizador perdido na savana) e, fundamental, profundamente humano. Leiam, leiam.
OBS: fui ao Google catar uma foto da autora e dei de cara com uma entrevista da moça, feita na época em que ela ganhou o Orange Broadband Prize com “Meio sol”. Olha só que trecho interessante:
“(…)Os norte-americanos pensam que escritores africanos devemos escrever sobre o exótico, a vida selvagem, a pobreza, talvez a Aids… Eles vêm à África e lêem os livros africanos com certas expectativas. […] Um professor da universidade me disse acerca de meu primeiro livro que ele não era autenticamente africano, talvez pelo fato do livro tratar-se de uma classe média africana que possuía carros e não morria de fome.”
Bravo Fernando! Bravo!
Eduardo Freire