O cassino nosso de cada dia
Por Fernando Molica em 26 de outubro de 2012 | Comentários (0)
Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 24/10:
A energia elétrica é que foi a grande culpada pela transformação. Não faz tanto tempo assim, o mundo era regulado pela luz do sol. Nossos avós (no caso dos mais novos, bisavós) eram despertados pela claridade; ao longo do dia cuidavam de suas tarefas e se recolhiam ao anoitecer. Não havia luz elétrica e, consequentemente, nada de rádio, de cinema, de TV. Na falta do que fazer, nossos antepassados tinham tempo de sobra. Conversavam, davam conta de algum serviço doméstico e também amavam — a produção de filhos era bem maior naquela época.
Tudo indicava que, vencida a ditadura solar, teríamos ainda mais tempo disponível. Afinal de contas, a eletricidade expandiu nossos dias, deu um safanão nas trevas. Não demorou para que tratássemos de arrumar o que fazer com o tempo conquistado. Transportes mais velozes permitiram que acumulássemos mais tarefas e agendássemos mais encontros, compromissos e até atividades de lazer.
Mas, mesmo assim, conservávamos uma certa lógica, uma separação entre o dia e a noite. O jornalista Alberto Dines costuma dizer que o intervalo de algumas horas, necessário para produzir e colocar jornais na rua, é fundamental; trata-se de uma espécie de respiro, um tempo mínimo para que as notícias se ajeitem, tomem corpo, encontrem seus lugares nas páginas e no espírito de cada um de nós. É como se os fatos, assim como nós, precisassem de uma noite de sono para, então, despertar. Os jornais matutinos imitariam assim o ciclo solar, um ritmo mais próximo de nossas vidas.
A internet bagunçou de vez a história do dia e da noite. As notícias não dormem, vagam feito zumbis pelos computadores, disputam atenção, desafiam nossa capacidade de apreender tanta novidade. Nós também cedemos, incorporamos a lógica dos cassinos — neles, evita-se deixar entrar a luz do sol, é importante fazer com que os jogadores percam a noção do tempo. Não mais esperamos um evento — show, novela, jogo — acabar para comentá-lo. O importante passa a ser a nossa primeira impressão sobre ele, quem teclar por último é mulher do padre.
Assim também como se tornou urgente contar ao mundo fatos banais, como a compra de uma nova TV, um cachorro ou um CD. É tanta informação que corremos o risco de perder a noção do que é importante e, até, de esquecer de dar uma chegadinha lá fora para saber se está fazendo sol.