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O celular e o direito de não ter lazer


Por Fernando Molica em 08 de junho de 2011 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal O Dia, 08/6.

Não tenho como saber se celulares fazem mal à saúde. Mas desconfio que o excesso de recursos desses aparelhos começa a complicar a nossa vida. Os novos telefones são oferecidos como um daqueles milagrosos produtos das Organizações Tabajara: estamos na praia e queremos ler e-mails, conferir saldo bancário, ver como está o jogo? Bastaria um desses celulares de última geração (que, depois de amanhã, já será de penúltima), para acabar com nossos problemas, a solução estaria ao alcance dos dedos.

É até legal. Mas começo a achar que, ao invés de poupar nosso tempo, tantas facilidades começam a roubar momentos importantes de nossas vidas, aqueles incomparáveis e raros instantes que temos para não fazer nada. Antigamente, íamos à praia para mergulhar, tomar sol, beber água de coco, jogar bola. Ficávamos um tempão nos dedicando a deliciosas inutilidades. Hoje, munidos de um celular, ganhamos a possibilidade de resolver uma porção de problemas. Na prática, conquistamos o direito de trabalhar nas nossas horas de lazer. Estamos sempre ligados, ao alcance de qualquer chefe ou subordinado. Eles também estão sob a nossa mira — a vida online acabou com o fim de semana. Por que esperar até segunda-feira para enviar um e-mail se isto pode ser feito da praia, do Engenhão, de um restaurante, de um barco, de um motel? Se ninguém respeita nossos horários de lazer, por que seríamos cúmplices do descanso alheio?

Não faz tanto tempo assim, éramos obrigados a optar, a escolher nossos programas e tarefas. Hoje, há uma espantosa capacidade de acumularmos funções e/ou prazeres. Dá pra conversar, dirigir, postar no Twitter ou Facebook, ver novela. É possível fazer tudo ao mesmo tempo, ainda que de maneira precária. Tem gente que vai a um estádio menos interessada no jogo do que em dizer para os amigos que está no estádio vendo o jogo. O sujeito fica na praia mais preocupado com o destino do governo do que com a morena de biquíni. Estamos perdendo o prazer de estar à toa, sem fazer ou pensar em nada. Necessitamos ficar conectados, ligados, como se tivéssemos medo de nós mesmos, de nossos pensamentos. Parece que não sabemos mais ficar sozinhos ou mesmo, em silêncio, ao lado da pessoa amada. Não conseguimos mais observar o mar sem dizer para o resto da humanidade que estamos a olhar o mar. É meio esquisito quando o relato da vida se torna mais sedutor que a própria vida.

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