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O Chacrinha que nos explica


Por Fernando Molica em 22 de dezembro de 2014 | Comentários (0)

Estação Carioca, O DIA, 08/12:

O Brasil está em cartaz na Praça Tiradentes. No palco do Teatro João Caetano, atores, músicos e bailarinos contam como o pernambucano Abelardo Barbosa criou um personagem, o Chacrinha, que colocou diante das câmeras um país que não se envergonhava de si mesmo. Ele não vacilava em mostrar um Brasil desdentado, brega, que adorava baladas românticas, que babava pelas chacretes.

Na época, anos 1960 e 1970, apresentadores de programas de auditório, como J. Silvestre, Flávio Cavalcanti e Silvio Santos, não dispensavam o terno. A formalidade era compatível com a lógica e os valores morais propagados pela ditadura. O traje transmitia seriedade e servia para amenizar a presença de atrações mais populares. Aqueles apresentadores tinham um quê de pastores evangélicos, traduziam a ideia de um país branco, arrumadinho, comportado, religioso, que negava suas origens e mazelas, que tentava incorporar o padrão alardeado pelo cinema norte-americano.

Chacrinha fez tudo ao contrário, se apresentava fantasiado, vestido de palhaço, de noiva, de Napoleão, de bebê. Como o primeiro ato de ‘Chacrinha, o musical’ evidencia, o apresentador levou para os estúdios de TV uma versão pop e urbana de características presentes na cultura nordestina — alegre, barulhenta, profana, colorida, sensual, escandalosa. O programa não evocava uma igreja, mas uma quermesse de praça, local de festas e namoros.

Sua discoteca não discriminava estilos, todos os que faziam sucesso eram bem-vindos: Roberto Carlos, Waldick Soriano, Sidney Magal, bandas de rock como Blitz e Titãs, tropicalistas como Caetano Veloso e Gilberto Gil. Chega a ser inacreditável que toda aquela festa anárquica tenha resistido a um dos períodos mais duros da história brasileira. Interpretado/incorporado na peça por Stepan Nercessian, Chacrinha resistiu à censura, ao preconceito, à tentativa de imposição de um padrão de bom-mocismo e de bom gosto. Num dos diálogos escritos por Pedro Bial e Rodrigo Nogueira, Chacrinha é pressionado por Boni — então todo-poderoso da Globo — para elevar o nível do programa: como resposta, ele sugere transferir os estúdios para o oitavo andar.
>Com sua buzina, quebrou as paredes que separavam a sala de estar do quarto de empregada e revelou as semelhanças entre brasileiros que pareciam tão diferentes. Chacrinha dizia ter vindo para confundir, mas, como diria Chaves, personagem de Roberto Bolaños, sem querer — mas querendo — jogou o Brasil na nossa cara e ajudou a nos explicar.

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