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O destino de Lily Braun


Por Fernando Molica em 05 de maio de 2014 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 05/5.

A estreia do musical ‘O grande circo místico’ despertou em mim a curiosidade de saber qual teria sido o futuro de Lily Braun, personagem de uma das canções compostas por Edu Lobo e Chico Buarque para a primeira versão do espetáculo, um balé criado pelo Teatro Guaíra. A música fala de uma artista que larga a carreira para se casar com o homem dos seus sonhos, que conhecera num dancing.

O sujeito jogou pesado para conquistar a moça. Ofereceu drinque, lhe deu rosas e poemas. Lily, talvez cansada de tantas danças e tantos amores, preocupada com seu destino, aceitou se casar com o cara. A decepção veio logo. Como diz na canção, composta em primeira pessoa, ele passou a amá-la como esposa, não mais como estrela: “Me amassou as rosas/ Me queimou as fotos/ Me beijou no altar.” O resto da música é de cortar o coração. A pobre ficou sem prazeres como cinema, espeluncas, drinques no dancing. Deixou de receber rosas, nunca mais foi feliz.

Como o balé estreou em 1983, dá para imaginar que Lily tenha hoje entre 50 e 55 anos de idade. Em nome dos dois filhos, manteve por um bom tempo o casamento com aquele mala. O sacrifício não adiantou muito. Há uns dez anos, ele encontrou outra jovem para fazer infeliz e largou esposa e prole na casinha de Pindamonhangaba (sempre achei que o casal fora morar no interior de São Paulo). Quarentona, meio gorducha, sem os encantos da juventude e com dois pré-adolescentes em casa, a ex-dançarina não teve como retomar a vida boêmia. Sequer caberia naquele vestido preto que conseguira salvar da fúria do esposo — ele destruíra também roupas e outros objetos que remetiam aos bons, divertidos e loucos tempos. Ela não conservara nem o nome, o Lily fora banido, restara o Maria Elizabete, tão provinciano que sequer levava um ‘h’ como o da rainha inglesa.

Secretária de uma revendedora de carros, ela, de vez em quando, consegue um amor. Apesar dos esforços do ex-marido, fiapos de sua história chegaram ao conhecimento de vizinhos e colegas de trabalho. Quem mandou fazer confidências à manicure? Por que subir na mesa e simular um strip na festa de fim de ano da firma? Desempenho de profissional, comentou-se na cidade. Em nome deste profissionalismo, alguns respeitáveis senhores de Pinda arriscam seus casamentos para passar uma noite com Maria Elizabete. Mas ela não se queixa, tem mais com o que se preocupar: com aqueles cigarros esquisitos que encontrou na gaveta do filho, com as bebedeiras da filha, que quase já não dorme mais em casa.

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