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O direito de matar


Por Fernando Molica em 24 de julho de 2008 | Comentários (5)

O debate sobre direitos individuais e coletivos é sempre meio complicado. Até que ponto vai o meu direito, em que lugar começa o direito da coletividade? Principalmente, a partir de que referência a sociedade/coletividade tem direito a cercear meu direito individual? Boas e velhas perguntas. Bem, tudo isso é pra falar no desembargador do Rio que deu uma espécie de ‘habeas-copos’ (a expressão é de um amigo lá do Dia) para um agente de segurança.

Com base num dispositivo da Constituição que dá a qualquer um o direito de não fazer prova contra si mesmo, o desembargador emitiu pro segurança um salvo-conduto: o sujeito não está obrigado a se submeter a testes que comprovem sua eventual embriaguez.

Sei lá, longe de ser abstêmio. Mas há muito tempo que vinha evitando dirigir depois de beber. Tinha lá minha tabela particular, uma margem de tolerância que permitia – ou não – uma combinação entre álcool e volante. Claro que a Lei Seca atrapalhou um pouco minha vida. Mas, na boa: que bom que ela foi sancionada. Eu posso ter o direito de fazer o que bem entender da minha vida, mas não tenho o direito de ferrar com a vida de ninguém. As primeiras estatísticas são transparentes: o número de mortes no trânsito despencou depois da Lei.

É até engraçado, achei que a grita contra a Lei ia ser maior, que haveria protestos mais consistentes contra uma suposta invasão do Estado na vida do cidadão. Mas não, foi tudo mais ou menos tranqüilo. Pelo que sei, até a molecada aceitou as novas regras do jogo sem chiar muito. Até acho que havia um, sei lá, certo desejo recalcado de repressão: é como se as pessoas desejassem algo que as protegesse, que estabelecesse limites (“Proteja-me do que desejo”, como escreveu uma artista plástica que, há alguns anos, saiu projetando frases como esta em montanhas e prédios aqui do Rio).

Com o cinto de segurança foi mais ou menos assim. Muitos tinham um certo pudor de usá-lo: a obrigação os livrou do mico. Usar o cinto deixou de ser um sintoma de fraqueza, de caretice, passou a ser algo necessário: quem descumprisse a lei tomava multa.

Bem, ontem o desembargador Antônio José Carvalho imitou um colega de São Paulo e achou que a Constitução garante a todos o direito de encher a cara e, em seguida, dirigir. Aguardemos novas liminares, novos beneficiados e, principalmente, aguardemos as estatísticas de acidentes de cada fim de semana. Esperemos também que o beneficiado pela liminar, o Marcos Aurélio Lisboa Rodrigues, seja prudente.

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Comentários
28 de julho de 2008

Caro, esse país é esquisito, creio que nisso concordamos. Sei lá por que cargas d'água, esta lei está pegando. Claro que seria mais simples se houvesse fiscalização com base na legislação anterior (talvez porque a lei atual fale explicitamente na obrigatoriedade do teste, parece que a anterior não fazia isso). Enfim, gostava mais da anterior, mas já que a atual pegou, fiquemos com esta (eu, pelo menos, fico). Além do mais, os níveis de resistência ao álcool variam de pessoa a pessoa. Tem gente aí que bebe dois chopes e sai cantando "Falsa baiana"... Quanto à queda de outros crimes: é por outro lado (ôps!), SL: qualquer restrição ao álcool diminui crimes, é só ver o que ocorreu em Diadema. O policiamento não ficou maior - pelo menos aqui no Rio - por causa da lei. O que ocorreu é que, a cada noite, algumas poucas patrulhas da PM, que estariam na rua de qualquer forma, se dedicam a catar pinguços. As pessoas estão bebendo menos, isso diminui naturalmente a violência. BSB: não deu tempo. Cheguei na quinta às 23h e voltei pro Rio no vôo que sairia às 20h40 (e que só decolou lá pras 22h). abs.

Fernando Molica
28 de julho de 2008

Molica, v. mesmo aponta o sofisma que é esse argumento sobre como a Lei seca baixou a violência no trânsito. Não foi a proibição de beber e dirigir que baixou os índices, foram as blitzen, que não se faziam antes! Tanto que até crimes que nada têm a ver com beber e dirigir também caíram. Claro, polícia na rua, menos criminalidade... E, com os dados da queda de acidentes (provocados pelas blitzen, não pela proibição draconiana de beber um gole e dirigir, insisito), pessoas bem intencionadas como você caem nessa esparrela. E para atender à cegueira legisfeante de uns populistas, as pessoas são obrigadas a mudar hábitos que não ameaçavam ninguém. E ainda elogiam. É impressionante como as pessoas estão dispostas a se submeter a regras absurdas, quando convencidas de que é para seu bem. Vir a Brasília e nem ligar, é um insulto, seu Molica. V. poderia ter nos acompanhado, embora com risco de ser pego pela polícia _ na sexta, fomos tomar uma meia garrafa de vinho como sempre, e voltamos pianinho para casa.

sleo
27 de julho de 2008

Caríssimo Sérgio, concordo com você que a lei é radical demais - ainda que siga a tendência de outros países, que caminham na direção da tolerância zero em relação ao álcool e o volante. Mas acho que suas qualidades superam seus defeitos. Os dados sobre queda no número de mortes e feridos em acidentes de trânsito são impressionantes demais - até a violência, digamos, não rodante, diminuiu aqui no Rio. Acho que o mais importante agora não é a questão do nível de tolerância, mas do nível de adesão. Neste curioso país em que vivemos, respeitar lei parece ser algo opcional. A Lei Seca pegou. Isso é importante. Guardinhas vão tomar grana de motoristas às custas da lei? Vão, claro. Já devem estar fazendo isso. Só tem um jeito disso não acontecer: é não beber e dirigir. Quem dá grana pro guarda também está sendo punido. Acho que existe um ponto fundamental nesta história toda, como meio sem querer reforça o anônimo que mandou o outro comentário: não dá pra construir uma sociedade minimamente decente sem que, aqui e ali, tenhamos que abrir mão de alguns direitos individuais. Tenho que me submeter ao constrangimento do bafômetro para que o mesmo instrumento sirva para reprimir o irresponsável que bebeu e foi dirigir. A questão é definir o limite de influência do Estado na nossa vida - um limite que tem que ser negociado o tempo todo, sob pressão. Abraços (ah, passei por BSB na quinta e sexta. Os bares aí deste mega condomínio chamado Plano Piloto devem estar sofrendo bem mais do que os daqui. Tudo é longe por aí, não há transporte público e os táxis são caros pacas. Rende matéria, Sérgio).

Fernando Molica
27 de julho de 2008

O blogueiro comete um erro primário. O habeas corpus não garante do direito do cara se embebedar e dirigir. Garante apenas o direito constitucional de não se submeter ao teste do bafômetro. Aliás, como abstêmio Há 8 anos, por imposição de saúde, também me recusaria a fazer o teste, da mesma forma que, apesar de seguir rigorosamente todos os demais preceitos do CTB (sou o único morador do Rio a não avançar sinal, em qualquer horário, e o único que respeita sistemáticamente o limite de velocidade de 60km nas pistas laterais da Avenida das Américas), continuo sem usar o cinto, por ser o seu uso obrigatório inconstitucional.

Véio Rabugento
26 de julho de 2008

Velhinho, data vênia, grande abraço, coisa e tal; mas há uma diferença brutal entre encher a cara e sair dirigindo e tomar uma taça de vinho e dirigir. Se a lei fosse mantida como era, e fizessem esse monte de blitz que estão fazendo, te garanto que os índices de acidentes também teriam diminuído. E os cidadãos que querem apenas tomar uma cerveja ou duas tacinhas de vinho com a namorada poderiam manter esse hábito inofensivo sem o risco de serem achacados por um polícial, quando a imprensa tirrar o foco dessas operações populistas.

sleo