O fascismo dos trotes
Por Fernando Molica em 11 de fevereiro de 2009 | Comentários (5)
A idéia do trote sempre me foi estranha. Ouvia falar da prática quando ia a Viçosa, Minas, terra do meu pai. Lá, no início de cada ano letivo, era possível ver muitos carecas pelas ruas – é uma cidade pequena, dominada por uma importante universidade federal. Deve ser por isso que, desde criança, associei a idéia do trote a algo interiorano – como diria o Agamenon, com preconceito, por favor.
Eu não tinha noção disso, mas, na época – finzinho dos anos 60, início dos 70 -, a juventude universitária carioca parecia estar preocupada com tarefas mais relevantes, como a de derrubar a ditadura e implantar o regime socialista pela via revolucionária. Diante de desafios e objetivos mais nobres, a idéia do trote foi envelhecendo, acabou carcomida. Num momento em que jovens eram mortos e torturados seria um absurdo submetê-los a outra forma de tortura e de humilhação. Na prática, não se ouvia falar muito em trote aqui no Rio, pelo menos, no circuito Piedade-Méier.
Entre na faculdade em 79, duas semanas antes da posse do Figueiredo, que seria o último presidente do ciclo militar. No primeiro dia de aula houve uma espécie de trote: um vetereano, o Fernando Brito – que mais tarde se tornaria mais brizolista que o Brizola – entrou na nossa sala de aula, disse que era professor de filosofia, falou um monte de barbaridades e elencou uma bibliografia obrigatória de uns 15 itens – alguns livros em inglês, francês e – creio – em alemão. A brincadeira não durou muito. Depois, fomos convidados – sem qualquer ameaça física, sem qualquer humilhação – a fazer o que eles chamavam de “pedágio”: tivemos que tentar empurrar para motoristas exemplares de alguma revista de poesia editada pelos alunos da faculdade. Em troca, recebíamos moedas que, uma hora depois, ajudaram a financiar uma roda de cerveja. Ninguém foi pintado ou teve a cabeça raspada.
Mas o trote voltou: deve ser por falta do que fazer (derrubar a ditadura, por exemplo). De uns anos pra cá, essa manifestação fascista ganhou força e recomeçou a fazer vítimas. Pior, os casos se tornaram mais graves, até mortes já foram registradas. É difícil imaginar o que gera o trote: talvez uma necessidade animalesca de se impor, de mostrar força, de compensar na humilhação ao outro algum outro tipo de impotência, de frustração sexual – sei lá. Sei que isso – repito – é fascismo puro e como tal não pode ser tolerado, principalmente em um ambiente universitário. Campus universitário não é filial da Baronetti, aquela boate do Rio onde jovens volta e meia caem na porrada.
O trote é ilegal – sua tolerância e admissão se constituem em outro crime. Autonomia universitária é o cacete: a polícia e o MP têm obrigação de reprimir a prática e de punir seus autores e seus cúmplices (diretores e donos de faculdade). Não se pode tolerar o fascismo.
ABAIXO OS TROTES! Houve um momento em que se tentou transformar a recepção aos calouros numa ação social efetiva como a doação de sangue, recolhimento de alimentos e brinquedos etc. para carentes. O efeito de generosidade foi esquecido e a violência voltou. Mesmo assim há jovens que têm consciência e partem para a criatividade. É o caso da aluna e atriz/palhaça Sluchem Cherem. Em repúdio à ação dos colegas de São Paulo que fizeram covardia com os calouros, ela bolou um trote diferente em Nilópolis para os universitários da CEFET da turma de produção cultural. Os veteranos compraram ovos e pintaram carinhas de palhaço e entregaram para os calouros. Cada calouro ficou responsável por um ovo “palhacinho” durante uma semana, caso quebrasse o calouro pagaria R$ 40,00 (quarenta reais) que foi revertido para a primeira chopada dos mesmos. Em tempos de crise, muitos se esmeraram no zelo ao palhaço “ovíparo”; se a cervejada não foi das mais fartas, pelo menos a violência não teve espaço.
MiroCaro Fernando, Obrigado pela visita (da qual fico lisongeado) e pelas palavras. Não penso que se trate de um romantismo e, muito menos, acredito que deixe de ser. Você tem total razão ao identificar a crescente de um jornalismo multifacetado pelo entretenimento. O 30 por 1 do Obama, é a regra essencial do jogo social contemporâneo. Mesmo com as críticas estruturadas a vários pontos desta áura moderna, concordo com você: de uma forma ou de outra o jornalismo sempre encontra o seu espaço. Está inserido no epicentro social humano. Um grande abraço. Eduardo Freire
Eduardo FreireObrigado, Eduardo. Irei lá. Abração.
Fernando MolicaMolica, envei seu texto anterior, sobre a disputa nos blocos, para várias pessoas, pois também já havia notado que as coisas não andavam mais como deveriam. Este sobre o trote é fundamental. Bato nessa tecla há tempos, não há como tolerar esta barbaridade. Assino embaixo de tudo que foi dito aqui. Um abraço.
Juliano BrandãoCaro Fernando, mais uma vez os meus parabéns. Há anos venho empenhando campanha contra esta selvageria sem propósito que é o chamado "trote universitário". O momento em que todos deveriam comemorar por romper uma barreira em que uma mínima parcela da sociedade tem acesso, e de se exaltar o sentimento de concretização ao ser inserido no grau superior de ensino, acabamos na verdade é por presenciar, como você muito bem disse: "por falta do que fazer (derrubar a ditadura, por exemplo)", este lamentável show de violência e humilhação deflagrado aos recém-chegados nas faculdades e universidades. Nossa sociedade e, sobretudo a juventude, está apática. Anestesiada desde o fim da ditadura, decretada pelo general Figueiredo como você também aqui bem lembra, porque este sim foi o seu maior colaborador, que além de não gostar de pessoas, mas apenas de seus cavalos, pra nossa sorte, ainda afirmou que faria a abertura nem que fosse na pancada!, todos de certa forma foram vítimas desta alienação subjulgada no plano dos militares que, infelizmente deu certo e se perpetuou na nossa sociedade, haja vista este embrião da tortura física e psicológica presente no trote. Convido-o ainda meu caro Fernado a ler meu artigo recente no blog Repórter Sem Fronteira, sobre "intolerância e fé" contra o jornalismo, em que conceituo um pouco mais sobre o tema. Obrigado mais uma vez pelo espaço e parabéns mais uma vez pela reflexão e, esteja certo, desabafo oportuno.
Eduardo Freire