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O fim dos livros-reportagem


Por Fernando Molica em 14 de maio de 2008 | Comentários (1)

Durante o congresso da Abraji, a diretora-editorial da Record, Luciana Villas-Boas, fez o alerta: o livro-reportagem corre o risco de desaparecer do mercado brasileiro. Não por falta de interesse de quem os escreve, publica e lê, mas por culpa de uma avalanche de processos como o que retirou de circulação a ótima biografia “Roberto Carlos em detalhes”, de Paulo Cesar de Araújo.

Luciana contou que o livro de Araújo foi oferecido à Record – que publicara, do mesmo autor, o “Eu não sou cachorro não”. Mas a direção da editora avaliou que seria um risco excessivo publicar uma biografia não-autorizada de um personagem como RC.

A questão, que afeta também o jornalismo diário, tem como centro uma espécie de contradição legal: a Constituição brasileira garante a liberdade de expressão, mas preserva o direito à privacidade. Preserva, em tese, mesmo a privacidade de pessoas públicas, que voluntariamente expõem detalhes (ôps!) de suas vidas, como o próprio Roberto Carlos. Ele, revela o livro de Araújo, reuniu a imprensa numa maternidade paulistana para apresentar o filho e, muitos anos depois, levaria a então mulher Maria Rita a um programa de TV para comemorar o milagre de sua suposta cura. Com todo o respeito: não são gestos de quem preza a própria intimidade.

O problema legal é o lado interessante da questão, uma referência para o debate. Mas há também o aspecto oportunista: advogados que, disse Luciana, se especializaram em catar, nos livros-reportagem e nas biografias, minúcias que possam gerar processos e indenizações – vale lembrar que herdeiras de Garrincha ganharam uma ação contra a Companhia das Letras porque o excelente livro “Estrela solitária” teria revelado intimidades da vida do craque, inclusive exagerado as dimensões do seu órgão sexual. A diretora da Record ressaltou que, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, aqui herdeiros têm direito a pedir indenização por supostos danos morais a parentes mortos.

O jornalista Lucas Figueiredo – que dividiu a mesa comigo e com Luciana -, contou que ele e a editora (a Record) foram condenados a pagar indenizações porque um juiz que atuava no processo da morte de PC Farias se sentiu ofendido com um comentário que consta do livro “Morcegos negros”. Vale lembrar que, há alguns domingos, a “Folha de S.Paulo” publicou uma interessante reportagem mostrando que as indenizações que beneficiam juízes costumam ser mais polpudas que as concedidas a cidadãos comuns – não estou querendo dizer que isso ocorreu no caso do juiz de Alagoas…

O tema é sério e precisa ser discutido com urgência: caso contrário, teremos uma ameça não apenas ao jornalismo e aos livros-reportagem, mas também à própria historiografia do país – pela lógica, nada impede que algum descendente da princesa Carlota Joaquina implique com um livro publicado sobre ela e recorra à justiça para impedir sua circulação. Um bom caminho pode ser o projeto do deputado Antonio Palocci (PT-SP), já abordado neste blog: ele quer permitir a divulgação “de informações biográficas sobre pessoas públicas ou que tenham participado de acontecimentos de interesse da coletividade.”

Não se trata de defender o direito à injúria, calúnia ou difamação. Mentiras e ofensas poderão, claro, ser contestadas, em acordos ou mesmo na justiça. O que não dá é para se impedir a circulação de jornais e de livros – de idéias, enfim.

Em tempo: imagine o valor da indenização caso o Ruy Castro tivesse diminuído o tamanho do mané do Garrincha. Na dúvida, já deixo um aviso para algum improvável biógrafo: aumentar, tudo bem; diminuir não, tá?

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Comentários
15 de maio de 2008

Molica, parabéns pela abordagem. É um belo tema para reflexão/discussão. Bjs!

marluci martins