O homem que amava rezar a Santa Missa
Por Fernando Molica em 05 de abril de 2015 | Comentários (0)
Texto publicado hoje, domingo de Páscoa, no DIA.
Estive com dom Hélder lá pelo início dos anos 1990, quando apurava uma reportagem sobre a crise enfrentada pela Teologia da Libertação, corrente que destacava o papel revolucionário da pregação de Jesus. A conversa foi na pequena Igreja das Fronteiras, no Recife, onde ele, aposentado, morava.
Esperava recolher um depoimento indignado contra os golpes desferidos a partir de Roma contra uma Igreja que buscava se aproximar dos pobres. Encontrei um homem que aparentava mais que seus 80 e poucos anos, frágil, baixinho, encurvado, que em nada lembrava o ‘Arcebispo Vermelho’, que desafiara ditadores, que tivera seu nome proibido de ser citado nos jornais.
Substituído na Arquidiocese de Olinda e Recife por um bispo ultraconservador, que destruíra boa parte de seu legado, dom Hélder parecia não guardar ressentimentos. Escapou de perguntas que buscavam captar revolta ou rancor, ignorou minhas provocações. Num esforço, reassumiu o tom profético de outros tempos; como se estivesse num púlpito ou palanque, revelou que sua alegria era poder, todas as manhãs, “rezar a Santa Missa”.
Fiquei decepcionado. Aquele fiapo de homem metido numa batina branca de algodão que dançava em torno de seu corpo não parecia ser o mesmo que, em 1980, fora abraçado por João Paulo II, que o chamara de “irmão dos pobres, meu irmão”.
Besteira minha. Em seus últimos anos de vida, dom Hélder exalava a paz dos que sabem ter cumprido sua missão. Para reconhecer a santidade de alguém, o Vaticano costuma exigir a comprovação de uma ou outra graça obtida pela intercessão do candidato ao altar. Dom Hélder fez mais. Incomodou poderosos, ajudou a tirar a Igreja de um atoleiro medieval. Ele provocou o milagre de converter tanta gente a uma causa fundamental, a que prega o direito de todos a uma vida digna, a algum céu na Terra.