O impeachment e os gringos
Por Fernando Molica em 13 de maio de 2016 | Comentários (0)
Sempre achei que a visão estrangeira nos ajuda a entender o que se passa diante de nossos olhos viciados no cotidiano. Costumo pregar que um bom repórter deve também se comportar como um gringo que acabou de desembarcar por aqui – li que o Bob Kennedy, em 1965, numa visita à PUC do Rio, foi questionado sobre o racismo nos EUA. Ele então observou que não havia negros na plateia de estudantes. Muitas vezes, só alguém de fora consegue ver o óbvio, gritar que o rei está nu.
É preciso não considerarmos normais práticas que são corriqueiras, Ótimas reportagens foram resultado da adoção de uma perspectiva diferente da habitual, basta mudar de ângulo para perceber o estranho, o esquisito, o que está fora da ordem.
Não que devamos dar ao forasteiro o direito de nos definir, mas não podemos ignorar esses olhares externos. Editoriais – artigos que refletem a opinião dos jornais – publicados ontem e hoje por dois dos mais importantes jornais do mundo, The New York Times e El País, ressaltam os problemas do processo que levou Michel Temer ao poder.
Os dois editoriais vão na mesma direção, dizem que as características deste impeachment deverão piorar a nossa crise política. O NYT afirma que Dilma tem razão ao questionar os motivos de seu afastamento e a autoridade moral dos que a julgam, ressalta que ela foi eleita duas vezes e que a ira hoje direcionada à presidente afastada pode se voltar contra seus algozes.
Para o jornal espanhol, a destituição de Dilma “não soluciona nada e aumenta a instabilidade no país”. Frisa que Temer não renunciou à vice-presidência quando seu partido decidiu abandonar o governo da petista – sua permanência, por aqui, foi questionada por apenas algumas vozes isoladas. O El País também lembra que o PMDB está atormentado por escândalos na justiça.
Insisto: não podemos ter a postura colonizada de achar que os estrangeiros é que conhecem nossas vidas e nossos problemas, mas não podemos deixar de saber o que eles estão pensando a nosso respeito. Até porque a credibilidade de um país e de suas instituições é fundamental neste, aí vale o chavão, mundo tão globalizado. Niguém investe numa república de bananas.
Para terminar: o correspondente Jens Glusing, do site da revista alemã Der Spiegel, escreveu que “o drama em torno da presidente é um vexame para um país afundado na crise”. O portal Terra frisa que, segundo o jornalista, “o grande e orgulhoso Brasil terá que se resignar a, no futuro, ser citado por historiadores ao lado de Honduras e Paraguai – e não só por causa de apresentações bizarras de seus representantes populares. Também em Honduras e Paraguai, presidentes eleitos foram afastados de forma questionável do cargo.” Para ele, o “espetáculo indigno” apresentado pelos políticos brasileiros “prejudicou de forma duradoura as instituições e a imagem do país”.