O Joaquim da praia e o Joaquim de Brasília
Por Fernando Molica em 26 de outubro de 2012 | Comentários (0)
Coluna Estação Carioca, jornal O DIA,17/10:
Pensemos num guarda municipal. Alguém de origem humilde, que lutou para completar o Ensino Médio e passar no concurso que lhe garante salário de R$ 1.411, com vales refeição e transporte, chega a R$ 1.892. Podemos chamá-lo de Joaquim. Imaginemos que, num dia trabalho, ele e alguns colegas tenham sido encarregados de zelar pelo cumprimento de posturas municipais em Ipanema.
Joaquim é pago por todos nós para, entre outras tarefas, coibir infrações. Numa praia, cabe a ele ressaltar algumas das normas que regem aquele espaço público. Todo mundo sabe quais são: é proibido levar cães para a areia; até as 17h, o altinho deve ser jogado longe da linha d’água. Restrições pensadas para beneficiar um número maior de pessoas, que têm o direito de não gostar de levar uma bolada ou raquetada.
Mas, ao tentar fazer seu serviço, Joaquim é ofendido, cocos são arremessados em sua direção, ouve que a praia é o quintal daqueles marmanjos, que lá, eles — e só eles — podem fazer o que bem entendem. Alguns ainda gritam que a praia é um “espaço democrático”, democracia entendida como o direito de alguém fazer o que quiser sem se importar com os prejudicados por aquela prática. Menos hipócrita, um outro banhista recorre à velha carteirada moral e, para desqualificar o guarda, se diz filho de juiz, o que o colocaria acima das leis.
O sujeito falou em juiz bem na semana em que outro Joaquim, o Barbosa, era elevado à categoria de herói por bater pesado em réus do mensalão. Muitos setores da sociedade — entre eles, certamente, jogadores de altinho e seus pais — passaram a ver no relator do processo um paradigma da moralidade. Isto porque ele não tem vacilado em condenar pessoas que, em linhas gerais, repetiram o costume político de transformar o que é público em privado. Por coincidência, uma infração bem parecida, em seus princípios, com a cometida por aqueles garotos de Ipanema.
O Joaquim de Brasília é aplaudido porque condena os outros, políticos, empresários, pessoas que estão longe; ele não representa uma ameaça a quem joga altinho. É aquela história: rigor na lei só é bom quando atinge os outros. As mesmas pessoas que ovacionam a atuação do ministro reagem à lei quando incomodadas. Só dá para acreditar no aplauso ao ministro quando o guarda municipal também passar a ser respeitado — Joaquim na praia alheia é refresco.