O jornal jogado no chão
Por Fernando Molica em 26 de setembro de 2008 | Comentários (5)
Hoje, há pouco, joguei o jornal no chão. Nada contra o jornal em si, mas contra as notícias. Mais: contra os fatos que geraram as tais notícias. OK, já sou cascudo, tenho 47 anos, estou há 27 anos enfiado em redações. Já subi muito morro, encarei miserê pra todo lado – cadeia, fila de hospital, bandidos de várias classes sociais. É difícil ficar espantado. E, depois de tanto tempo, continuo achando que acordar e pegar os jornais na porta de casa é um grande prazer, um dos mais antigos da minha vida.
Uma leitura meio desconexa: leio o primeiro caderno de um jornal, pulo para o noticiário do Botafogo que está em outro, dou uma olhadinha numa matéria mais ou menos interessante, vou me ilhando no meio de jornais espalhados pelo chão. Hoje, no meio desse processo, dei de cara com uma seqüência de notícias barra-pesada. O médico que levou um cacetal de tiros em Niterói, o garoto de 17 anos que morreu ao ser atingido por uma bala sem rumo, a prisão de delegados da PF acusados de chefiar uma quadrilha e – e aí perdi as estribeiras – a história de crianças de 10 anos que se prostituem em Brasília, ali perto do Palácio do Planalto. Ganham R$ 3,00 ou um prato de comida para praticarem sexo oral com motoristas.
É daquelas notícias que a gente lê com nojo, com raiva, com indignação e, principalmente, com vergonha. Pior é que não foi a primeira vez que li algo semelhante. Não havia ali qualquer novidade. Crianças pobres, sem qualquer expectativa – talvez nem a expectativa de freqüentarem escola para continuarem analfabetas -, pagando boquete em marmanjos: taxistas, policiais, empresários, funcionários públicos, sei lá. Isso, no mesmo país que se diz melhor, legal, animado, que não se preocupa com a crise (é do Bush, né?). Perplexo, aturdido, me vinguei em quem me contava a história – e taquei o jornal no chão.
O pior é que se vc lê o noticiário do Botafogo, acaba fazendo o mesmo. Com certeza, joga o jornal no chão.
marluci martinsBem, caro Daniel, às 2h11 da madrugada de sábado, arrisco dizer que a insistência no jornalismo tem um pouco a ver com a própria insistência na vida: não há outra saída. Abraços.
Fernando MolicaCaro Molica, acabei de me dar conta de que, apesar de toda a aparente amargura da classe jornalística, o jornalista é um otimista. Anos e anos cobrindo a tragédia social brasileira, insistindo em suas denúncias, é um sintoma de esperança. Ao contrário de muita gente, que cansou de ler jornal, cansou de ler sempre as mesmas notícias sobre as vergonhas nacionais todas. Várias pessoas, eu inclusive, já jogaram os jornais no chão, de vez. Jornalistas são persistentes, uns mais, outros menos, bem menos... Abs.
Daniel EstillUm menino descalço!
Fernando MolicaPior é a foto do menino saindo da Mercedes do canalha.
Marcelo