O Maraca é nosso – notas do ‘Informe do Dia’
Por Fernando Molica em 14 de maio de 2011 | Comentários (0)
Aí vai a sequência de notas publicadas no Informe do Dia sobre as reformas no Maracanã. A apuração começou com uma consulta ao processo de tombamento no estádio – a documentação está no Palácio Gustavo Capanema, no Rio. Até agora já possível derrubar duas versões: 1. ao contrário do que vinha sendo repetido, o tombamento do estádio não protege apenas sua estrutura externa; 2. a Fifa não exigiu que a cobertura fosse ampliada. Hoje, dia 14, o Informe revela uma série de providências tomadas pelo Ministério Público Federal, que chega a recomendar ao Iphan e ao governador Sérgio Cabral o respeito aos limites impostos pelo tombamento do Maracanã. O MPF ressalta que a legislação proíbe demolir, destruir ou mutilar bens tombados – ou seja nem mesmo o Iphan poderia ter autorizado o que já foi feito no estádio. Até agora, a reforma destruiu parte das arquibancadas e todo o anel inferior, onde ficavam as cadeiras azuis. O governo do Estado já anunciou que recebeu autorização do Iphan para demolir a marquise do estádio, que estaria condenada.
6/5 – MARACANÃ: REVOLTA COM OBRAS
A autorização do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) para a derrubada da cobertura do Maracanã revoltou profissionais que participaram do tombamento do estádio, em 2000. Relator do processo de tombamento, o arquiteto Nestor Goulart Reis Filho afirma que a cobertura não poderia ser demolida “em hipótese nenhuma”. Para ele, retirar a “marquise é como cortar a cabeça de uma pessoa”. Segundo o arquiteto, “um bem tombado é intocável”. O Iphan permitiu que a marquise seja substituída por um teto de lona.
Italo Campofiorito, que também participou do tombamento, é direto: “As reformas estão destruindo o Maracanã, o Iphan não protegeu o estádio”. Em texto entregue, no mês passado, a colegas do Iphan, Claudia Girão, ex-chefe da Divisão de Proteção Legal do Instituto, afirma que a demolição da marquise é “uma descaracterização fundamental”.
A decisão do superintendente do Iphan-RJ
Em 2010, o superintendente regional do Iphan, Carlos Fernando Andrade, permitiu a demolição do anel inferior do estádio; em abril passado autorizou a derrubada da marquise — segundo laudos apresentados pelo governo do Estado, o teto não resistiria à estrutura que iria complementar a cobertura do estádio. No parecer, Andrade diz que a modificação não teria consequências paisagísticas, pois as alterações ocorreriam “abaixo do ponto focal do observador”. Afirma que a estrutura do Maracanã não foi citada nos pareceres do tombamento.
A decisão de tombar o estádio
O processo de tombamento do Maracanã — consultado ontem pelo Informe — está arquivado no Palácio Gustavo Capanema, no Centro do Rio. Iniciados em 1983, os trabalhos foram retomados em em 1997, quando houve o anúncio de uma nova reforma no estádio. Em ofício ao governo do Estado, o então diretor do Departamento de Proteção do Iphan, Sabino Barroso se disse preocupado com a possibilidade de as obras descaracterizarem um bem “mundialmente conhecido”. Na época, Claudia Girão escreveu que as modificações no estádio deveriam “respeitar a essência da obra e se condicionar às premissas de sua preservação como patrimônio histórico e artístico nacional”.
Proteção total
Ao contrárido do que já foi divulgado, a proteção não é apenas para a parte externa do estádio. Quando discutiram o tombamento, os técnicos examinaram a colocação de cadeiras nas arquibancadas e se disseram preocupados com o fim da Geral, que só ocorreria anos depois.
Projeto audacioso
No processo de tombamento, os pesquisadores Adler Homero Castro e Regina Coeli Pinheiro da Silva destacaram que o projeto arquitetônico do estádio tinha “particularidades audaciosas para sua época, no que se refere à concepção e técnica”.
Estádio é emblema da cidade
Campofiorito não aceita a tese de que a mudança da cobertura não afetaria a visão do estádio. “O Maracanã é sempre mostrado do alto, é um emblema da cidade”, diz. Reis Filho frisa que obras em bens tombados só podem ser realizadas para preservá-los ou para restituir suas características. Em seu texto, Claudia Girão afirma que a remoção da marquise seria “uma das mais radicais intervenções realizadas até hoje em bens tombados que não sofreram incêndio ou outra calamidade.”
Ao contrário das obras no Maracanã, mudanças na Marina da Glória foram levadas ao Conselho Consultivo do Iphan — o anteprojeto foi aprovado na quarta passada. Até agora, a direção nacional do Instituto não se manifestou sobre o estádio.
Aplauso do Informe
Para o Maracanã, que é de todos nós
Ao longo de seis décadas, o Maracanã se firmou como o principal estádio brasileiro, palco de grandes alegrias e tristezas – o grito “o Maraca é nosso” pertence a todas as torcidas. Gerações e gerações aprenderam a gostar e a respeitar a beleza e a imponência de suas formas.
Bronca do Informe
Para a demolição da cobertura
Segundo organizadores da Copa, a ampliação da marquise do Maracanã seria uma exigência da Fifa: em jogos do torneio, todos os espectadores teriam que ficar cobertos. Vale lembrar que, na Copa passada, isto não foi cobrado dos sul-africanos.
8/5 – O MARACA É NOSSO 1
O presidente da Comissão da Câmara dos Deputados que estuda o legado da Copa e das Olimpíadas, Alessandro Molon (PT), quer submeter ao Conselho Consultivo do Iphan a decisão de permitir a demolição da cobertura do Maracanã.
O Maraca é nosso 2
Já o deputado Marcelo Freixo (PSOL) vai propor à Comissão de Cultura da Alerj uma audiência pública para discutir a reforma. Quer convocar o superintendente do Iphan no Rio, Carlos Fernando Andrade, que autorizou a obra.
Difícil tombar, fácil derrubar
Proposto em 1983, o tombamento do Maracanã só começou a andar em 1997, diante da ameaça de alterações no estádio. O caso envolveu vários laudos, muitos técnicos foram consultados. A decisão, em 2000, foi do Conselho Consultivo do Iphan: o tombamento, portanto, levou 17 anos. Para permitir obras que mudam a estrutura do estádio bastou o OK do superintendente regional do Iphan. É razoável exigir que o Conselho Consultivo do Instituto, obrigado a se manifestar a respeito de obras na Marina da Glória, seja ouvido sobre o Maracanã.
11/5 – FIFA NÃO EXIGIU TETO
A Fifa não exigiu a ampliação da cobertura do Maracanã. Documento da entidade apenas classifica de “particularmente desejável” a existência de um teto sobre todo o público dos estádios, inclusive os utilizados em Copas.
A Secretaria Estadual de Obras e o Comitê Organizador Local confirmaram que a Fifa não fez a exigência. Segundo a Secretaria, a decisão de ampliar a cobertura foi do governo do Estado: isto, para modernizar o estádio e dar conforto ao público. A reforma previa a ampliação da atual cobertura que, agora, será substituída por uma de lona.
“Determinações”
Ao autorizar a derrubada da marquise, a Superintendência do Iphan-RJ, baseada em informações da Emop (empresa do governo estadual), citou problemas na estrutura do teto e as “determinações da Fifa” para “aumentar a área coberta do estádio”.
Demolição
Segundo a Secretaria de Obras, a demolição teria que ser feita mesmo se não houvesse o projeto de aumento do teto. Diz que estudos demonstraram o comprometimento da estrutura. O governo só vai divulgar os laudos no dia 17.
Obras feitas para o Pan de 2007
Integrante do consórcio responsável pela atual obra, a Odebrecht também atuou na reforma do estádio para o Pan. Em 2007, o diretor da empresa Marcos Vidigal disse, para uma publicação da construtora, que a cobertura da arquibancada havia sido impermeabilizada. “O que é estruturante foi feito”, declarou. Texto disponível no site da Emop cita que, na época, houve “recuperação estrutural das instalações” do Maracanã e “tratamento e impermeabilização das lajes da cobertura”.
12/5 – MPF QUER DOCUMENTOS
O procurador Maurício Andreiuolo, do Ministério Público Federal, pediu ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) cópias dos documentos relacionados ao tombamento do Maracanã.
Andreiuolo também decidiu se reunir com o superintendente do Iphan no Estado, Carlos Fernando Andrade — que autorizou a demolição da cobertura do estádio –, e com a Delegacia do Meio Ambiente da Polícia Federal. Quer avaliar se as obras no Maracanã desrespeitam seu tombamento, decidido há 11 anos.
Formato original
O deputado Otavio Leite (PSDB) se reuniu, no Tribunal de Contas da União, com o ministro Valmir Campelo, que acompanha as obras no Maracanã. Solicitou a Campelo garantias de que a reforma não irá descaracterizar “o formato original” do estádio.
Conselho do Iphan
Ao saber que o aumento do teto do estádio não foi exigido pela Fifa, o deputado Alessandro Molon (PT) decidiu: encaminha hoje ao Iphan pedido para que a autorização concedida às obras seja submetida ao seu Conselho Consultivo
13/5 – MARACANÃ NA ALERJ
Presidente da Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa, o deputado Robson Leite (PT) decidiu convocar audiência pública que discutirá as obras para a Copa de 2014, entre elas, a reforma do Maracanã. Ele quer ouvir representantes do Iphan, da Secretaria Estadual de Cultura e da comissão responsável pelas obras. Uma das principais questões envolve as alterações no estádio. “Queremos saber se o projeto está respeitando o desenho cultural do Maracanã”, afirma.
14/5 – MARACANÃ: MPF ATACA
O Ministério Público Federal tomou uma série de providências para evitar a descaracterização do Maracanã, que está sendo reformado para a Copa. O procurador Maurício Andreiuolo recomendou a diversos órgãos e autoridades — entre eles, o Iphan e o governador Sérgio Cabral — “o estrito cumprimento da legislação” em relação às obras, “em especial aos limites impostos pelo tombamento” do estádio.
Andreiuolo converteu em inquérito civil público o procedimento administrativo que abrira para apurar as modificações na estrutura do Maracanã e eventuais irregularidades nas obras. Ícaro Moreno Júnior, presidente da Emop (empresa do governo estadual que coordena os trabalhos), foi intimado para prestar esclarecimentos.
Proibido destruir ou mutilar
Em ofícios,o procurador deu prazo de dez dias para que responsáveis por órgãos públicos digam que medidas foram tomadas para assegurar, no decorrer das obras, “a preservação das características integrais” do Maracanã. O estádio foi tombado há onze anos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Ele cita a Lei do Tombamento — o artigo 17 determina que “as coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou mutiladas”. Estes ofícios foram enviados para o superintendente do Iphan no Estado, Carlos Fernando Andrade (que autorizou as obras e a demolição da cobertura do Maracanã); o secretário de Obras, Luiz Fernando Pezão; o secretário da Casa Civil do Estado, Regis Fichtner; o superintendente da Suderj, Everardo da Silva; e o secretário municipal de Urbanismo, Sérgio Dias.
“Sérias dúvidas” sobre licenças
Maurício Andreiuolo cita reportagens sobre as obras e diversas notas publicadas no Informe. Entre elas, as que, no último dia 6, revelaram a revolta de arquitetos com a autorização para a derrubada da marquise do estádio: relator do processo de tombamento, Nestor Goulart Reis Filho foi um dos que protestaram contra a decisão. Nos documentos, o procurador ressalta a demolição do anel inferior do estádio e a destruição do seu teto.
No ofício enviado para a Superintendência do Iphan, ele pergunta se o órgão autorizou “as obras já iniciadas e quaisquer outras possíveis, em especial, no que tange à demolição da marquise do estádio”. Requisita também o envio de “todos os documentos relativos ao Maracanã”, em especial os relacionados à cobertura do estádio. Para o procurador, há “sérias dúvidas” sobre os processos de licenciamento e realização da reforma que está sendo feita no Maracanã.
Vistorias
O procurador também pergunta às autoridades se foram realizadas vistorias nas obras e requisita o envio de eventuais laudos técnicos. Solicita à Suderj cópia da ata da audiência pública referente à licitação para a reforma no estádio. A decisão de demolir a cobertura do Maracanã foi tomada pelo governo do Estado — de acordo com laudos ainda não divulgados, a estrutura da marquise estaria comprometida.
16/5 – MARACANÃ: TÉCNICOS DO IPHAN NÃO FORAM OUVIDOS”
A reforma do Maracanã não poderia ter sido autorizada sem o parecer de um grupo de técnicos do Iphan, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Para a vereadora Sonia Rabello (PV), ex-diretora do Patrimônio Material e Fiscalização do Iphan e ex-integrante do Conselho de Tombamento da Secretaria de Cultura do Estado, a gravidade das intervenções exigiria um consenso técnico.
— A lei que impede demolição, destruição ou mutilação de bem tombado foi cumprida no caso do Maracanã?
— O processo não ocorreu devidamente, por falta de parecer técnico e pelo nível de mudança no estádio.Eu acredito que houve o descumprimento do que propõe o decreto-lei. Nunca vi se aprovar uma intervenção tão radical.
— Mas a superintendência do Iphan não pode avaliar intervenções?
— O tombamento não congela o bem, mas preserva suas características materiais. Além disso, a lei fala em superintendência, não em superintendente. O Iphan tem um corpo técnico de funcionários efetivos, concursados, teria que ter havido um parecer destes técnicos. Houve apenas a manifestação do superintendente, um ocupante de cargo comissionado.
— Como o governo do Estado deveria ter agido?
— Quando o Brasil se candidatou para a Copa, sabia que o Maracanã era tombado. O governo poderia ter pedido seu destombamento ou feito um outro estádio. Para permitir a obra no Sambódromo, um bem tombado pelo Estado, o governador assumiu a responsabilidade de destombá-lo.
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