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O menino e o lanche na Apoteose


Por Fernando Molica em 13 de fevereiro de 2013 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 16/1

Rio – Como em qualquer show, muitas vezes o melhor dos desfiles do Sambódromo ocorre em seus bastidores, na armação das escolas ou na dispersão. É nesses setores fora da pista que rolam cenas engraçadas (como o içamento dos destaques até os carros alegóricos), reveladoras (como a retirada do robe que encobre a nudez de rainhas e que tais) e mesmo emocionantes.

Domingo passado, por exemplo. Ao fim do ensaio da Mangueira, crianças, idosos e integrantes da bateria (no caso, das baterias) faziam fila, num cantinho sob o Setor 12, na Apoteose, para pegar um lanche oferecido pela organização do evento — um sanduíche e um suco à base de guaraná.

Nisso surgiu um menino de uns 8 anos. Negro, mochila meio puída às costas, ele não usava fantasia ou roupa que o identificasse como integrante da Estação Primeira. Entrara na Passarela pelos fundos, fora até lá em busca de algo mais concreto que a beleza proporcionada pelo desfile. Esperto, logo identificou um sujeito magro, branco, com jeito de quem detinha algum poder na organização da festa. Deu uma leve cutucada no suposto mandachuva e disparou: “Moço, me arruma um lanche?” Meio constrangido, o abordado — o garoto acertara, ele mandava mesmo no pedaço — tentou negociar. Disse que os sanduíches se destinavam aos integrantes das escolas e que, como de praxe, o que sobrasse seria distribuído. Era só aguardar mais um pouquinho.

Mas, como dizia Betinho, quem tem fome tem pressa; o bife não comido um dia jamais será compensado. O menino ficou insatisfeito, o evento iria demorar, a Grande Rio acabara de entrar na Avenida, haveria o risco de sobrar apenas o copinho de suco. Tentou argumentar, mas acabou interrompido por um segurança, que o retirou dali. Não, a insistência não acabaria punida com um cartão vermelho. O novo personagem, negro como o garoto, o pegou pela mão e, logo depois, bem ali na frente, com ele dividiu seu próprio lanche. Segurança e garoto se pareciam, passariam até por pai e filho. Mas não havia qualquer parentesco, o homem apenas demonstrava se reconhecer naquele menino, talvez um dia já tenha pedido um sanduíche a alguém. Ao repartir sua comida, foi solidário também à sua própria história, em tudo semelhante à da maioria daqueles homens e mulheres que, a cada ano, produzem o mais belo e grandioso de todos os espetáculos.

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