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O necessário olhar estrangeiro


Por Fernando Molica em 30 de junho de 2016 | Comentários (0)

A repercussão internacional dos perrengues pré-olímpicos – poluição na baía e na Lagoa, violência, zika, possibilidade de a Linha 4 do metrô não ficar pronta a tempo – deve ser vista não com arroubos patrióticos, mas como uma espécie de contribuição involuntária.

Sempre ressaltei que nós, jornalistas, nunca deveríamos perder uma espécie de olhar estrangeiro, um jeito de ver nossa realidade que a torna surpreendente, aqui e ali inconcebível. Devemos nos comportar como visitantes não acostumados com a miséria, com as profundas desigualdades, com a corrupção, com as armas de guerra nas mãos de bandidos, com taxistas que não perdem a chance de enrolar turistas.

Isto, da mesma forma que nós, brasileiros, nos assustamos com os atendentes de padaria de Paris que, embora impecavelmente vestidos, manipulam dinheiro e pães sem lavar as mãos. Achamos engraçada a deferência dos indianos às vacas, nos surpreendemos com as marcas do apartheid na África do Sul (também ficamos espantados com ótimos exemplos, como o respeito às faixas de pedestres, com os ônibus que passam em horários pré-definidos, com as eficientes redes de metrô, com o preço dos vinhos em Portugal).

Voltando aos nossos gringos. Até por conta de nosso passado colonial, tendemos a dar um excesso de importância ao que os estrangeiros falam de nós, já teve gente irritada até com cobras e macacos que, num episódio dos Simpsons, circulavam pelas ruas brasileiras. Outros não perdoam as críticas que boa parte da imprensa internacional fez ao processo de impeachment, como se colegas de publicações importantes fossem idiotas ou petralhas.

Cada um analisa uma determinada realidade com seus próprios olhos – o que dizem de nós não pode ser visto como uma sentença irrecorrível, mas apenas como um olhar diferenciado, que vale a pena conhecer. E, por conta disso, é bom notar o susto de tanta gente com mazelas que, de tão antigas, acabaram sendo incorporadas ao nosso cotidiano, já não nos espantam (há uns 20 anos, foi preciso que o Betinho, recém-chegado do exílio, proclamasse que não era razoável deixarmos que tantos brasileiros não tivessem o que comer – muitos achavam a situação absolutamente normal).

Da mesma forma que não nos espantamos com o crescimento dos filhos que vemos todos os dias, nem com o progressivo embranquecimento de nossos cabelos, tendemos a ignorar o agravamento de problemas como a poluição da baía, a violência, a quantidade de gente vivendo em condições precárias. Nada como o susto dos gringos para frisar que cidade boa para turistas e visitantes é aquela que é boa para seus moradores.

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