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O ovo e a galinha da corrupção


Por Fernando Molica em 04 de julho de 2012 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 27/6:

A lista de aprovados para o concurso do Ministério Público Estadual realizado em 2007 se assemelha a uma relação de convidados para uma festa de família, tamanha a repetição de sobrenomes. Ao investigar a história, promotores do próprio MP encontraram diversas teias de parentes: irmãos, pai e filho, marido e mulher. Isto, sem contar vizinhos, amigos de amigos, conhecidos. Na ânsia de abreviar o caminho para um emprego público, de conquistar uma bocada, todos viraram cúmplices de um crime.

O episódio revela muito sobre a sociedade brasileira, esta que gosta tanto de apontar o dedo para os políticos e dizer que todos são iguais, que só pensam em roubar. Sabemos que alguns de nossos representantes têm uma particular atração pelo alheio mas, pelo menos neste caso, não há evidência da participação de qualquer deputado, prefeito ou vereador no esquema. A investigação cita funcionários públicos que teriam furtado as provas numa gráfica e vendido o material para terceiros. O relatório fala também de candidatos às vagas que não vacilaram em, digamos, fazer gol com a mão. Com raras exceções, essas pessoas — agora denunciadas à Justiça — não têm ficha criminal. São cidadãos que vivem em bairros humildes, que devem ralar muito no dia a dia, que sonhavam com a segurança e o salário de uma boa colocação.

Dá até para imaginar uma reunião de família, o pai dizendo para o filho que lhe daria, de Natal, um emprego público de presente. Arrumaria um também para a filha, para a mulher e até para si mesmo. Talvez, num rasgo de generosidade, desse um jeito de incluir na festa o marido da empregada. É razoável que, no meio da conversa, um dos filhos tenha murmurado algo sobre a imoralidade de se entrar pela janela. Não é difícil ouvir o pai respondendo algo como “Se não fizermos, alguém fará. Vai dizer que os políticos não fazem isso?”

Assim como no caso do ovo e da galinha, não dá pra dizer quem nasceu primeiro: o político corrupto ou cidadão comum que aceita ser cúmplice de um malfeito. Mas é possível afirmar que a impunidade e a tolerância com desvios geram, entre outras consequências, a sensação de que a bandalheira é inevitável. Num tempo de tantas denúncias, vale ressaltar que absolvição de algum notório saqueador dos cofres públicos produz indignação, mas também estimula quem está ávido por uma oportunidade de se dar bem a qualquer preço.

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