O país que é este
Por Fernando Molica em 31 de agosto de 2016 | Comentários (0)
“Uma coisa é um país,
outra um ajuntamento.
Uma coisa é um país,
outra um regimento.
Uma coisa é um país,
outra o confinamento.”
Há muito tempo, eu era adolescente, tomei um baque quando peguei uma edição de domingo do JB e descobri que o ‘Especial’ – a ‘Ilustríssima’ ou o ‘Aliás’ de hoje – era todo ocupado por um poema, o espetacular ‘Que país é este?’, do Affonso Romano de Sant`Anna, de quem nunca tinha ouvido falar.
Lembro daquela manhã, do lugar em que estava, fazia sol. Lembro do momento em que comecei a ler aquela ousadia editorial do JB, poema-manifesto, musical, ritmado, enfático, afirmativo, peça de acusação, tentativa de remissão:
“Mas já soube datas, guerras, estátuas
usei caderno “Avante”
— e desfilei de tênis para o ditador.
Vinha de um “berço esplêndido” para um “futuro radioso”
e éramos maiores em tudo
— discursando rios e pretensão.”
Um poema que, numa época de redemocratização, de esperanças, revolvia o passado para tentar apontar algum futuro. Um poema-panfletário que, três décadas depois, volta a ser atual.
“Há 500 anos caçamos índios e operários,
Há 500 anos queimamos árvores e hereges,
Há 500 anos estupramos livros e mulheres,
Há 500 anos sugamos negras e aluguéis.”
Poemas-panfletos podem ser necessários e importantes, às vezes, é preciso gritar:
“Este é um país de síndicos em geral,
Este é um país de cínicos em geral,
Este é um país de civis e generais.”
De vez em quando, é bom saber que alguém, com raiva, escreveu o que não tínhamos coragem, talento e ousadia para escrever.
“Este é o país que pude
que me deram
e ao que me dei,
e é possível que por ele, imerecido,
– ainda morrerei.”
(…)
“Povo
não pode ser um séquito sem nome.
Povo
não pode ser o diminutivo de homem.”
E, pra não dizer que não falei de flores, cito outro poema-manifesto, mais doce, igualmente cortante, o ‘Pátria minha’, do botafoguense Vinicius de Moraes:
“Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.”