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O relator ligou os pontos*


Por Fernando Molica em 27 de junho de 2023 | Comentários (0)

Ao ler o relatório sobre o caso que poderá tornar Jair Bolsonaro (PL) inelegível, o ministro Benedito Gonçalves, do Tribunal Superior Eleitoral, fez como a criança que brinca de ligar os pontos para formar um desenho.

Ao resumir a investigação e as alegações do autor e do Ministério Público, ele mostrou que a reunião com embaixadores não foi um ato isolado do então presidente, mas apenas um dos momentos que ele usou para mentir sobre o processo eleitoral e criar ambiente favorável a uma virada de mesa.

O que foi exposto por Gonçalves ajuda a ligar outros pontos na carreira de Bolsonaro no Exército e na política, marcas na trajetória de um militar e político que, assim como no ataque às urnas eletrônicas e às vacinas, nunca deixou de transitar por vias paralelas do modelo institucional: atua como um motorista que, numa estrada, não abre mão de trafegar pelo acostamento e fazer outras manobras de risco.

Editado em 2019, o livro ‘O cadete e o capitão’ (Todavia), de Luiz Maklouf Carvalho, serve de roteiro de parte de uma vida bem atribulada. Em setembro de 1986, o então capitão da ativa publicou um artigo na ‘Veja’ em que reclamava dos baixos salários dos militares, o que lhe renderia 15 dias de prisão disciplinar. No ano seguinte, a mesma revista traria uma reportagem em que ele era acusado de, ao lado de outro capitão, planejar explodir bombas em instalações militares também como protesto. O futuro presidente sempre negou a acusação.

Num primeiro momento, o ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, atacou a revista e ficou ao lado dos oficiais. Em fevereiro de 1988, após a condenação de Bolsonaro, por unanimidade, pelo Conselho de Justificação, um boletim do Exército publicou editorial bem duro, dizia que os acusado “faltaram com a verdade e macularam a dignidade militar”.

Quatro meses depois, Bolsonaro seria absolvido pelo Superior Tribunal Militar por nove votos a quatro – Maklouf relata que o veredito foi baseado numa falácia, um suposto empate entre laudos de exames grafotécnicos em croquis que, segundo a ‘Veja’, tinham sido feitos pelo acusado.

No mesmo ano, ele seria eleito vereador no Rio, e deixaria a vida militar; em 1991, assumiria seu primeiro de seus mandatos de deputado federal. A defesa de aumentos salariais para militares e a organização de protestos de mulheres de oficiais geraram até a proibição de sua entrada em quartéis.

Na Presidência, daria outras provas de dribles institucionais. Ao falar sobre o suposto namoro do filho 04 com a filha de um dos acusados de matar a vereadora Marielle Franco, disse que mobilizara a Polícia Federal para interrogar o suspeito, como se tivesse direito a usar policiais para resolver uma questão pessoal. Caso comprovada, sua participação na falsificação de certificados de vacinas será outra evidência de sua atração pelo acostamento.

O TSE tem que avaliar o que está no processo, ninguém pode ser condenado com base do “não sei por que bato, ele sabe por que apanha”, os erros da Operação Lava Jato não podem ser repetidos. Mas o abuso de poder político por parte do então presidente estão bem demonstrados no relatório de Gonçalves — os pontos que ele ligou mostram o tamanho e o desenho da articulação golpista tramada nos últimos anos.

 

*Artigo publicado no Correio da Manhã em 23/6/23.

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